11 dezembro, 2008

Vitória, Nápoles, Mumbai...

Terrorismo:
sistema de governar pelo terror e com medidas violentas;
actos de violência praticados contra um governo, uma classe ou mesmo contra a população anónima, como forma de pressão visando determinado objectivo;
forma violenta de luta política com que se intimida o adversário;
modo de impor a vontade por meio da violência e do terror.
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Eu sei que o terror tem novas caras, mas ele sempre existiu. Mas nós não, nós nem sempre existimos, e por isso mais facilmente falamos, ou mais facilmente somos tentados a falar, do presente, do que vemos, ouvimos ou/e sentimos.
Fui a Vitória, no fim de semana passado. Vitória-Gasteiz, mais correctamente escrevendo. Vitória é linda, moderna, com uma parte antiga cheia de história, bem conservada. A vitória sobre os franceses, aquando das maldades napoleónicas, mais um terrorista que andava à solta, diga-se, está bem presente numa estátua no centro da praça que antecede, e abre caminho, para a parte antiga da cidade, onde pontifica a velhinha Catedral de Santa Maria.
Um pequeno cartaz com a inscrição Eta no Eta ez, surge no alto de uma varanda de um edifício a lembrar os do Terreiro do Paço, mas em ponto pequeno. Vitória vive com emoção mais um assassitato de um empresário, responsável pela construção de uma linha de TGV no Euskadi. Os etarras não concordam com a linha e aí vai aço! Mais um morto, mais uma vítima de um grupo denominado "terrorista". O El País e o ABC davam destaque de primeiras páginas ao funeral e ao acto criminoso levado a cabo pela Eta, mesmo nos dias posteriores, já as armas dos etarras tinham arrefecido, já o corpo do defunto jazia frio, debaixo da terra.
Fomos recebidos com pompa e circuntância em Vitória-Gasteiz:
- Eles sabiam que vínhamos-disse eu à minha mulher.
A polícia tinha montado uma aparatosa barreira, onde fazia a triagem: terrorista para a direita, não terrorista para a esquerda. Depois de um polícia fortemente armado, protegido por mais dois com enormes espingardas e caras feias, se aproximar e nos iluminar as caras com uma lanterna em forma de espada à Lord Vader, prosseguimos o caminho, rumo ao hotel que nos serviria de quartel-general por três apetecidas noites.
-Na verdade, os polícias não sabem é se a Eta vem- concluí para a minha companheira de viagem.
O casamento da amiga pernambucana de longa data, que a minha mulher não via há muito, serviu também para rever uma outra amiga, também pernambucana, que veio de Nápoles, com o seu marido napolitano e os seus dois filhos napolitanos. Sangue pernambucano e napolitano misturados...(- O que é que isto dará? - perguntava-me, apreensivo).
Na verdade, eu nem sabia o que se passava em Nápoles. Sabia que não era flor que se cheirasse, mas daí a desconfiar em metade do que me foi contado e do que posteriormente comprovei...
Nápoles tem dois governos. O oficial e o da camorra. Trabalham juntos por vezes. Eventualmente o segundo manda mais que o primeiro. Eventualmente não, estou a ser benevolente. A camorra manda em Nápoles, mais que o governo, que o presidente da câmara. Manda no comércio, a cujos proprietários cobra, duas a três vezes por ano, taxas para se manterem abertos. Importa milhões de euros em artigos contrafeitos que não pagam impostos, diariamente, que passam no Porto de Nápoles. As habitações nas imediações do Porto não são habitações. A camorra comprou tudo, destruiu as paredes internas e fez delas armazéns. A coca, barata, ao alcance de todos, é outra das grandes receitas da camorra. As peças das grandes marcas da alta costura italiana são feitas em pequenas e familiares fabriquetas de Nápoles. É a camorra que controla este processo.
Angelina Jolie foi identificada como usando um destes vestidos, numa noite de óscares, há uns anos. Bella Angelina!
Pois, o terrorismo bem presente no meu fim de semana. No Afeganistão, li no El País, os talibans já controlam 70% do território, o que obriga a mais mulheres andarem tapadas, o que até achava bem se houvesse critério nas caronhas a tapar. Terroristas!
A minha mãe anulou a viagem à India, que tinha marcada para Janeiro, por causa do que aconteceu em Mumbai, disse-me quando cheguei da basca Vitória. Ninguém esperava o que aconteceu em Mumbai. Ninguém por aqui, porque por lá não sei. Mas não é grave para a minha mãe não ir á India. É grave para os familiares das vítimas e grave para a própria Índia. Grave para o mundo, claro.
O terrorismo entrou por mim adentro, neste fim de semana prolongado. Mas não é grave. É grave é quando morrem pessoas, pessoas que fazem falta às outras e que morrem sem ser por acidente ou doença. Morrer já não é bom, agora morrer em atentados?! É grave quando os terroristas controlam cidades inteiras e ai de quem se meter no caminho deles. Roberto Saviano, que escreveu Gomorra, onde ajuda a desmontar a camorra napolitana, anda desaparecido, porque se dá de caras com algum "camorrento" pode morrer, porque escreveu muitas coisas que não podia.
Isso sim , é grave, não podermos escrever.
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Observação final: este mundo violento e de impunidade é o nosso velho mundo. Nisto não há novidade. Mudou muita coisa, mas nada mudou.
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Bibliografia:
SAVIANO, Roberto, Gomorra-infiltrado no império económico da máfia napolitana, Alfragide, Caderno, 2006
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