Meu caro Ramdas
O que eu acho estranho é esta preocupação tão grande com Israel!
É certo que a ideia peregrina de exportar a democracia ocidental para países que não têm inserido esse conceito na sua cultura seria um exercício de futilidade se não fossem os milhares de soldados ocidentais que já morreram (é bom que não o esqueçamos antes de começar a bater no Ocidente) quer no Iraque quer no Afeganistão.
A região do Médio Oriente sempre se caracterizou por uma rivalidade intensa entre povos, clãs, grupos religiosos, etc., etc., desde os tempos mais remotos. Por exemplo, a causa principal que proporcionou a vitória fulgurante das Cruzadas numa primeira fase, foi exactamente a rivalidade interna entre os povos muçulmanos, que, conforme as suas conveniências, ora se aliavam com os Francos ora os combatiam; só venceram quando formaram uma frente unida. Actualmente está em risco a eclosão de uma guerra civil não entre os americanos e/ou israelitas capitalistas e exploradores e as massas humildes (como refere), mas entre xiitas e sunitas, com toda a instabilidade que isso implica para a região já que todos os países da área têm componentes de ambos os grupos religiosos nas suas populações. E não me preocupam apenas os eventuais cortes na produção petrolífera daí resultantes (os quais, para a economia portuguesa, serão sempre fonte de angústia), mas encaro com muito maior apreensão o desastre humanitário que certamente advirá de mais uma guerra religiosa. E não me vão convencer que a culpa é de Bush ou dos Judeus.
Por outro lado, continua-se a bater em Israel, como se a culpa de todos os infortúnios dos muçulmanos se resumisse à acção israelita. Há que não esquecer que a actividade dos grupos radicais (Hamas, Hizballah, Jihad Islâmica, e quejandos) contribui em larga medida para a violência que todos os dias assola o Líbano, a Palestina, a Faixa de Gaza, etc., etc. É fácil indignarmo-nos com as vítimas civis que surgem a cada raid israelita, esquecendo, porém, que não se trata de uma guerra convencional com exércitos perfeitamente alinhados e objectivos militares perfeitamente definidos; trata-se outrossim de uma guerra de guerrilha urbana em que os radicais árabes (os guerrilheiros, para os mais distraídos) não têm problemas em lançar os seus mísseis a partir de zonas residenciais, sabendo perfeitamente que a retaliação israelita que visará a sua destruição vai atingir gente inocente. Também é certo que, se não têm problemas de consciência em atacar indiscriminadamente quando lançam os seus mísseis ou fazem detonar as suas bombas (não me lembro, por exemplo, de igual indignação por parte das mentes caridosas que actualmente condenam Israel se ter verificado quando os bombistas suicidas se fizeram explodir em autocarros cheios de gente em Tel Aviv), também não os terão em utilizar os seus conterrâneos como escudos humanos.
O problema de fundo do Médio Oriente tem que ver com a rápida modernização económica trazida pela globalização (que quer queiramos quer não, veio para ficar) que transformou completamente a vida dos povos. Como sempre acontece quando se verificam mudanças de fundo na sociedade, há resistências; as pessoas não gostam de ver uma transformação repentina e radical do seu modo de vida, fazendo com que, de uma assentada, saiam da Idade Média e entrem numa modernidade em tudo diferente daquilo que conhecem, deixando-as sem pontos de referência. Refugiam-se por isso naquilo que lhes é familiar: a religião. Isso é aproveitado por clérigos de vistas curtas e com os mesmos problemas de adaptação (agravados pelo receio de perca de poder), que facilmente conseguem inflamar os ânimos e tirar partido da frustração alimentando-a com um bode expiatório: o Ocidente em geral e Israel em particular. É uma fórmula de resultados comprovados que tem sido muito usada ao longo da História e da qual são exemplos infames Hitler e Estaline, entre muitos outros. A modernidade talvez não seja equivalente à criação do paraíso sobre a terra, mas é certamente muito mais justa que os sistemas baseados numa visão "ao pé da letra" de textos religiosos escritos há milhares de anos quando a vida era substancialmente diferente e que, de modo geral, tudo permitem ao homem e tudo negam à mulher.
Também no Ocidente teríamos esse problema se não tivesse ocorrido a Revolução Francesa, que, mau grado os seus excessos, propagou a separação entre Igreja e Estado, cortando cerce e violentamente o ascendente da primeira sobre a sociedade. Aquilo que actualmente vislumbramos é só uma pálida imagem do poder que a Santa Sé detinha nesses recuados tempos. Ainda assim, será útil atentar nos discursos de Bento XVI que não apenas contrastam de forma flagrante com o ecumenismo promovido por João Paulo II, como reflectem essa visão exclusivamente teológica (roçando o fanatismo) do mundo.
Por tudo isto, penso que já é tempo de deixar de bater em Israel e dar alguns puxões de orelhas nos radicais árabes.
11 dezembro, 2006
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