29 novembro, 2005

A MISSÃO

Este vosso amigo, o Pero Vaz, encarnou definitivamente no homem dos descobrimentos. Andou por Marrocos nos idos de 90 do século passado. Descobriu tudo o que devia e não devia e acabou por deixar descendência com gente daquelas paragens. Para procurar "disfarçar", embora sem convicção, baptizou o filho de Afonso. Curiosamente, o menino nasceu a 25 de Junho. A "primeira tarde portuguesa" foi a 24 de Junho, mas de 1128, data da batalha de São Mamede. As coincidências não ficam por aqui. A adorável criança nasceu no Hospital de S. João no Porto, mas como os progenitores tinham morada na Maia, a luz dos olhos de Pero Vaz foi registada na Maia. Ora sabemos nós que na Maia mandavam outrora os Mendes da Maia, família poderosa, que, segundo alguns historiadores, foi quem "fez a cabeça" ao jovem Afonso Henriques. Um dos irmãos, salvo erro Paio Mendo, terá sido o mentor do projecto; o bravo Gonçalo Mendes da Maia (que bela estátua lhe fizeram no centro da cidade) terá sido o comandante no terreno.
Mas o nosso neo-descobridor, Pero Vaz de sua graça, não se ficou por aqui, nem sabemos quando vai parar esta tão nobre demanda. No Brasil-onde foi para estudar, dizia ele-encantou-se, tal como os da frota de Pedro Alvares Cabral, pelas belezas naturais ali existentes. Assim, Pero Vaz, homem de brandos costumes, mas com pouco tino (não é nada pessoal, Tino!), lá acabou por conhecer bem demais a natureza e soube há pouco que espera descendência com gentes de Vera Cruz.
Assim, Pero Vaz, um sebastianista convicto, percebeu a mensagem do Divino e deitou contas à vida. De duas maneiras: a primeira é que as contas agora têm que ser feitas de outra maneira. As contas do Governo afectam também as dele! Mas Pero Vaz está sossegado, é um optimista. Um naco de pão e um copo de leite não hão de faltar! As segundas contas de Pero Vaz dizem respeito à sua agora Missão Divina: só falta descendência na Ásia! Austrália não entra nas contas. Só valem permanências efectivas!
Ah Pero Vaz, fossem todos como tu e não haveria dificuldades de integração. Eram todos filhos e não existiriam enteados.
Pero Vaz reserva esta missão na Ásia para mais tarde. Está com saúde e espírito empreeendedor quanto baste para que, ou na Índia (Goa, quem sabe?), na China ou Japão se cumpra o que está estabelecido...

24 novembro, 2005

As sociedades superpovoadas

(continuação)

Contudo, talvez não seja preciso haver uma guerra a nível global. Durante o séc. XIX os sucessivos progressos da tecnologia foram acompanhados de correspondência no campo organizativo. À maquinaria complicada tiveram de ser opostas complicadas disposições sociais, destinadas a funcionarem tão suave e eficazmente como os novos meios de produção. Além disso, as indústrias ao expandirem-se exigiram uma proporção cada vez maior de trabalhadores, encorajando indirectamente a natalidade, até que, presentemente, dado o magnífico sucesso da medicina em prolongar a vida humana, por um lado, e em aguentá-la quando esta ainda é incipiente, por outro, a superpopulação é cada vez mais uma realidade palpável.
A quantidade rapidamente crescente da população pesa cada vez mais sobre os recursos naturais. Cerca de três mil milhões de seres humanos exigem actualmente dos seus governos o provimento de boas condições de vida. A pressão do crescimento demográfico e dos progressos tecnológicos levarão a um incremento dos processos organizativos, que terá reflexo na legislação que rege as comunidades. Certamente que as Constituições e as leis de defesa do cidadão não serão abolidas, mas serão subordinadas às novas realidades tendo em vista o funcionamento regular das instituições de cada país.
Quando a vida económica de uma nação se torna periclitante, compete ao Governo encontrar soluções para enfrentar essa situação crítica, impondo restrições aos seus governados; ora isto traz como consequência um clima de intranquilidade política ou mesmo rebelião declarada, ao qual as autoridades respondem com medidas visando salvaguardar a ordem pública e a sua própria existência, concentrando cada vez mais poder e, finalmente, ainda que não o tenham procurado, tomam-lhe o gosto. São as Constituições democráticas que impedem que demasiado poder se concentre em poucas mãos, mas em qualquer sociedade em que a população começou a exercer intensa pressão sobre os recursos disponíveis, surgem inevitavelmente tentações de governo totalitário.
Assim, a superpopulação conduz à insegurança económica e à intranquilidade social que, por sua vez, levam a um maior controlo governativo e a uma maior concentração do seu poder. Quando os sistemas democráticos são fracos, a tendência é para se instalar um governo ditatorial, conforme tem sido abundantemente demonstrado pela História. No entanto, observando os países ocidentais em que democracia e liberdade constituem património colectivo e que, altamente industrializados, são obrigados a sustentar uma população muito maior do que a que seria possível a partir dos recursos naturais disponíveis, a viragem para um regime totalitário com a consequente centralização económica no Estado ou numa oligarquia, iria quebrar as actuais relações de produção que, mal ou bem, têm vindo a servir de suporte a um bem-estar de modo geral superior ao do resto do globo. Além disso, para a sua própria manutenção, o totalitarismo necessita de subjugar as populações mantendo-as num estado de tensão permanente, o qual, por seu turno, não é favorável ao desenvolvimento económico, já que desvia o esforço das pessoas concentrando-o na sobrevivência individual ao invés de o concentrar na busca de maior conforto para as suas vidas.
Deste modo, o corolário lógico da vivência que nos alvores do séc. XXI é a existente no mundo ocidental e que, inevitavelmente, tem tendência a propagar-se a nível global por constituir sinónimo de invejável sucesso – ainda que esse sucesso tenha sido conseguido à custa dos países menos desenvolvidos, fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata –, não poderá ser uma qualquer forma de totalitarismo que iria pôr em causa uma globalização económica paulatinamente construída desde o final da guerra-fria.
Tem maiores probabilidades de ser tal como foi descrito no capítulo anterior: um capitalismo desenfreado que exauriu por completo os recursos do planeta Terra e que vê os cidadãos apenas e só como consumidores compulsivos que desenvolvem os maiores esforços para tudo adquirirem. Em que o desenvolvimento industrial deixou de ter como objectivo o incremento do bem-estar das populações para passar a perseguir a criação de novos produtos mais vendáveis que os anteriores, subordinado às directrizes das agências de publicidade tornadas todo-poderosas. Em que os governos têm apenas uma função decorativa, subordinados aos ditames dos presidentes das companhias publicitárias que almejam antes de tudo o aumento dos seus lucros.


CONTINUA

15 novembro, 2005

Duarte Gomes Solis - Discursos sobre los Comércios de las Índias

A maior contradição que Solis procura demonstrar nesta obra é um Império disfraçado en la apariencia, faltando en el la sustancia.Critica ferozmente a mentalidade ibérica, demasiado religiosa e conservadora em relação ao comércio, e o desprezo votado pela elite governante em relação aos mercadores, contrariamente o que acontece com venezianos, genoveses ou holandeses e ingleses . Acresce que para piorar a crise ibérica, a Fazenda-Real é gerida por pessoas não ilustradas no comércio , e que apenas uma junta de ricos comerciantes, preparados por possuírem um conhecimento profundo da economia, poderá contornar a crise . Por outro lado defende a minoria religiosa judaica, advertindo que os judeus ibéricos, detentores do grande capital financeiro, ao serem perseguidos ajudam venezianos e turcos , e como contraponto à perseguição que lhe é feita em todo o império filipino, apresenta a liberalidade holandesa que os sabe aproveitar e tomar partido das suas redes comerciais e de conhecimento.
Nesta análise tão profunda ao império filipino, Solis revolta-se através das suas palavras contra os nobres, os verdadeiros inimigos dos mercadores, a quem pedem empréstimos, e a quem denunciam de falsos cristãos quando não são socorridos, e que utilizam a origem judaica para usurparem os seus bens .
Utilizando um ditado de época “ a um Mercador-Cavaleiro não fies o teu dinheiro e de um Cavaleiro-Mercador guarda-te”, Duarte Gomes Solis dá a estucada final dizendo que se os Cavaleiros fossem Mercadores, puderia a Espanha e Portugal triunfar, na medida em que seria melhor para o Rei que o seu Reino fosse rico e Cavaleiros ricos Mercadores, e que dessa forma teria a Península Ibérica capacidade para gerir a Índia à semelhança dos Holandeses, que seguindo o principio Cavaleiro-Mercador ofereciam melhor comércio tanto a chineses como a japoneses, que siendo enemigos por naturaleza, y contra voluntad de sus Reyes, y a’riesgo de que siendo hallados seran luego Castigados: pero la codicia que tambien por su modo es maestra de todas las artes los amistò, y domesticò para los traer a sueldo, y no quiera Dios que se vean señores de la mar, y de la Índia, porque daran buelta en sus mercancias, de que se sabran aprouechar como mercaderes, y Capitanes .
Com estas palavras inflamadas de tom profético terminamos o nosso artigo. O Discurso sobre los Comércios de las Índias seria publicado em 1622, e o seu autor, Duarte Gomes Solis faleceria dez anos depois em 1632, deixando-nos nas suas palavras a visão densa e rica em pormenores da mentalidade de um arbitrista português seiscentista.
Passados quase quatro séculos, os nossos governantes continuam a acentuar a nossa decadência, demasiado ocupados em picardias inúteis e colocando em segundo plano projectos viáveis. A nossa sociedade continua a perseguir os úteis protegendo os inúteis, e apesar de estarmos em pleno século XXI continuamos com as mesmas raízes mediévicas... Todos os dias imolam a nossa inteligência com palavras criminosas... Como costuma dizer um amigo meu:
Portugal é um país de agricultores...
Os que podem cavam daqui.
Os que não podem são aqui cavados.
Os que ficam... são os nabos.
Aqui fica o apelo, deixemo-nos de vãs melancolias e aproveitemos o material humano que nos devia honrar cá dentro, e não o deixemos escapara para fora...

11 novembro, 2005

Uniformização da sociedade

(continuação)
Para se atingir este estádio em que a população sente a necessidade e é compelida a consumir, há que modificar o seu comportamento desgarrado e torná-lo uniforme e previsível. A solução não é nova, tendo já sido testada – e por algum tempo conseguida – pelos regimes totalitários do séc. XX: nazismo e estalinismo. Em ambos os casos, procedeu-se a um redireccionamento da sociedade, alterando os seus padrões comportamentais através da repressão e, sobretudo, da propaganda.
Como George Orwell demonstrou em 1984 a propaganda é o método mais eficaz de influenciar a opinião pública, desde que se controlem os meios emissores. E a propaganda serve os mais diversos fins, desde a publicidade comercial comummente aceite até à mobilização de massas com objectivos políticos.
Neste contexto surge como paradigmática a história do Instituto para a Análise Propagandística (Institute for Propaganda Analysis), criado em 1937 nos Estados Unidos, numa altura em que a propaganda nazi atingia o seu auge.[1] Tinha por missão efectuar uma análise da propaganda não racional com preparação de vários textos para estudantes liceais e universitários. Veio então a II Guerra Mundial, uma guerra total em todas as frentes, desde a frente de combate até ao conflito surdo, mas não menos determinante, pela posse de informações estratégicas e pelo ludibriar dos esforços inimigos na sua obtenção, além da acção psicológica levada a efeito quer para levantar o moral das próprias populações quer para desmoralizar as populações inimigas. Assim sendo, analisar a propaganda emitida tornara-se contraproducente em relação ao esforço de guerra e o Instituto seria encerrado em 1941.
Contudo, ainda antes do começo da guerra, já muitos sectores punham profundas objecções à sua actividade. Muitos educadores desaprovavam que se ensinasse a analisar a propaganda, por considerarem que isso tornaria os educandos indevidamente cínicos. As autoridades militares também não viam com bons olhos a análise propagandística, por recearem que os soldados começassem a examinar melhor as ordens dos sargentos instrutores. A grande maioria dos religiosos também era contra, considerando que tendia a enfraquecer a fé e a afastar as pessoas dos cultos. Os publicitários, por seu lado, opunham-se veementemente a que se analisasse a propaganda pois podia minar a fidelidade à marca e a reduzir as vendas.
Não serão de surpreender estas reacções “alérgicas” quando se falava de analisar a propaganda. Um exame demasiado pormenorizado, levado a cabo pelas pessoas, daquilo que é dito pelos seus líderes, sejam políticos, militares ou religiosos, poderia tornar-se extremamente subversivo. A ordem social depende, para a sua manutenção, da aceitação sem demasiadas questões embaraçosas da propaganda posta a circular pelas autoridades, embora seja de evitar uma postura acrítica perante as informações veiculadas.No entanto, faltará ainda o catalisador que terá a função de impelir a profundas modificações na ordem social vigente de modo a torná-la uniforme e previsível. Tanto em 1984 de George Orwell como em Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, como em muitas outras obras que descrevem uma sociedade futura[2], o catalisador é uma guerra ou, melhor dizendo, uma última Grande Guerra, imensamente mais aniquiladora que todas as anteriores, de tal forma que produz um profundo impacto na mente das populações, criando terreno fértil para a aceitação de uma nova ordem social.

CONTINUA

[1] Cf. Aldous Huxley, Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, Livros do Brasil, 2001
[2] Cf. Richard Osborne, Homem Demolidor, Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1993, colec. Ficção Científica, n. 203. Adaptação do argumento do filme com o mesmo título, protagonizado por Sylvester Stallone e Wesley Snipes, em que se descreve um mundo após uma guerra global com elevadíssimos custos em vidas humanas e na destruição da propriedade e das instituições, do qual emerge uma sociedade absolutamente pacífica em que as pessoas ficam simplesmente nauseadas com a mais leve sugestão de violência.

04 novembro, 2005

Portugal precisa de mim?!

Confesso que não estava nada à espera, mas foi essa a conclusão a que cheguei quando vi uns outdoors espalhados pelas avenidas de Lisboa.
O pior é que ninguém ainda me tinha dito nada e eu estava aqui descansado da minha vida, ocupado com os meus problemas, quando afinal o país (não a região, não o concelho, não a localidade, mas nem mais nem menos que o país inteiro) estava dependente da necessidade da minha pessoa.
Por um lado é um orgulho que um indivíduo sente em haver uma instituição como Portugal, com quase 900 anos de História, a ter assim tão grande precisão dos seus préstimos que se veja na obrigação de o anunciar de forma tão veemente. Não havia necessidade de tanto, bastava dar-me uma telefonadela.
Por outro lado, Portugal não refere concretamente em que é que eu o posso ajudar. Sou um simples cidadão, cumpridor das suas obrigações, votante e pagante de impostos, amável para com os vizinhos, carinhoso para com as crianças, respeitoso para com os idosos (e podia ir por aí fora a descrever qualidades), mas que tem uma esfera de acção limitada.
Assim, agradecia a Portugal que me informasse em que situação é que lhe posso ser útil, para que eu possa ver o que se pode arranjar.
Sem outro assunto, subscrevo-me com elevada estima e consideração.