24 novembro, 2005

As sociedades superpovoadas

(continuação)

Contudo, talvez não seja preciso haver uma guerra a nível global. Durante o séc. XIX os sucessivos progressos da tecnologia foram acompanhados de correspondência no campo organizativo. À maquinaria complicada tiveram de ser opostas complicadas disposições sociais, destinadas a funcionarem tão suave e eficazmente como os novos meios de produção. Além disso, as indústrias ao expandirem-se exigiram uma proporção cada vez maior de trabalhadores, encorajando indirectamente a natalidade, até que, presentemente, dado o magnífico sucesso da medicina em prolongar a vida humana, por um lado, e em aguentá-la quando esta ainda é incipiente, por outro, a superpopulação é cada vez mais uma realidade palpável.
A quantidade rapidamente crescente da população pesa cada vez mais sobre os recursos naturais. Cerca de três mil milhões de seres humanos exigem actualmente dos seus governos o provimento de boas condições de vida. A pressão do crescimento demográfico e dos progressos tecnológicos levarão a um incremento dos processos organizativos, que terá reflexo na legislação que rege as comunidades. Certamente que as Constituições e as leis de defesa do cidadão não serão abolidas, mas serão subordinadas às novas realidades tendo em vista o funcionamento regular das instituições de cada país.
Quando a vida económica de uma nação se torna periclitante, compete ao Governo encontrar soluções para enfrentar essa situação crítica, impondo restrições aos seus governados; ora isto traz como consequência um clima de intranquilidade política ou mesmo rebelião declarada, ao qual as autoridades respondem com medidas visando salvaguardar a ordem pública e a sua própria existência, concentrando cada vez mais poder e, finalmente, ainda que não o tenham procurado, tomam-lhe o gosto. São as Constituições democráticas que impedem que demasiado poder se concentre em poucas mãos, mas em qualquer sociedade em que a população começou a exercer intensa pressão sobre os recursos disponíveis, surgem inevitavelmente tentações de governo totalitário.
Assim, a superpopulação conduz à insegurança económica e à intranquilidade social que, por sua vez, levam a um maior controlo governativo e a uma maior concentração do seu poder. Quando os sistemas democráticos são fracos, a tendência é para se instalar um governo ditatorial, conforme tem sido abundantemente demonstrado pela História. No entanto, observando os países ocidentais em que democracia e liberdade constituem património colectivo e que, altamente industrializados, são obrigados a sustentar uma população muito maior do que a que seria possível a partir dos recursos naturais disponíveis, a viragem para um regime totalitário com a consequente centralização económica no Estado ou numa oligarquia, iria quebrar as actuais relações de produção que, mal ou bem, têm vindo a servir de suporte a um bem-estar de modo geral superior ao do resto do globo. Além disso, para a sua própria manutenção, o totalitarismo necessita de subjugar as populações mantendo-as num estado de tensão permanente, o qual, por seu turno, não é favorável ao desenvolvimento económico, já que desvia o esforço das pessoas concentrando-o na sobrevivência individual ao invés de o concentrar na busca de maior conforto para as suas vidas.
Deste modo, o corolário lógico da vivência que nos alvores do séc. XXI é a existente no mundo ocidental e que, inevitavelmente, tem tendência a propagar-se a nível global por constituir sinónimo de invejável sucesso – ainda que esse sucesso tenha sido conseguido à custa dos países menos desenvolvidos, fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata –, não poderá ser uma qualquer forma de totalitarismo que iria pôr em causa uma globalização económica paulatinamente construída desde o final da guerra-fria.
Tem maiores probabilidades de ser tal como foi descrito no capítulo anterior: um capitalismo desenfreado que exauriu por completo os recursos do planeta Terra e que vê os cidadãos apenas e só como consumidores compulsivos que desenvolvem os maiores esforços para tudo adquirirem. Em que o desenvolvimento industrial deixou de ter como objectivo o incremento do bem-estar das populações para passar a perseguir a criação de novos produtos mais vendáveis que os anteriores, subordinado às directrizes das agências de publicidade tornadas todo-poderosas. Em que os governos têm apenas uma função decorativa, subordinados aos ditames dos presidentes das companhias publicitárias que almejam antes de tudo o aumento dos seus lucros.


CONTINUA

Sem comentários: