Viajar, conhecer (não visitar apenas, que isso é pouco mais que quase nada), mas conhecer no seu íntimo as realidades dos povos e das pessoas é enriquecedor, e julgo que essencial, na formação de um historiador. O "vi claramente visto" de Camões faz mais sentido nesta cabeça agora menos oca. O Brasil, país onde me encontro, deu-me a ver claramente o que ninguém pode ver pelos jornais e televisões, do outro lado do oceano. Visitar o Brasil durante uma semana, dividida entre as praias de Porto de Galinhas e umas quantas igrejas e museus de Olinda enriquecem um pouco a pessoa, mas conhecer verdadeiramente um país, ou uma parte de um país, convivendo diariamente com os nativos, ouvindo o que dizem, vendo como comem e onde comem, observando os seus modos no trânsito, o seu comportamento em diversas situações é uma experiência que vale mais do que uns anos de universidade, embora, refira-se, esta aguça-nos o instinto e dá-nos algumas armas para essa observação. Tem sido uma tarefa antropo-sociológica intensa. Quase há um ano aqui, poderei então contar o que claramente tenho visto em Pernambuco em particular e no Brasil em geral.
No Brasil quem manda são os brancos. O dinheiro está nas mãos dos brancos, os cargos políticos estão na mão dos brancos, os melhores empregos estão nas mãos dos brancos. Quem frequenta os bons restaurantes são os brancos que têm dinheiro (sim, porque existem alguns brancos que não têm dinheiro).
Cabelo "ruim", aqui em Pernambuco, significa cabelo encaracolado ou encarapinhado. Cabelo "bom" é cabelo liso. Mulheres e homens brancos são sexualmente muito mais objecto de desejo do que os morenos e os pretos, até por estes últimos. Ter cor branca não é tudo, mas que dá uma grande ajuda dá. Nos bancos, emprego apetecido, a quase totalidade dos funcionários é branca. Já na Detran, uma empresa estatal que se ocupa do trânsito, onde o salário não será muito bom, a maioria dos seus funcionários é morena.
Não vejo contudo quase ninguém a manifestar-se sobre esta preocupante questão. Os rappers "Racionais", com um imenso currículo e prémios, abordam o problema social, mas nunca racial, de forma politicamente correcta, denunciando as injustiças, mas, no fundo, justificando-as, pela miséria e pela culpa do político (branco).
Quanto cinismo! Grafitte, jogador negro do São Paulo e da selecção brasileira, foi insultado por um jogador argentino. Escândalo nacional, com ecos internacionais. Que exemplo está o Brasil a dar ao mundo, dizia a imprensa em uníssono. Brincadeira, digo eu! Os repórteres e jornalistas da Globo, SBT, Record, Rede TV são quase todos brancos. Os actores e actrizes de novela, que os morenos e pretos se habituaram a admirar, são brancos. O "modelo" a seguir é o modelo branco, pois claro.
A verdade, digo eu, é que o Brasil vive num espécie de regime de apartheid, com trejeitos monárquicos, ainda por cima. O mais extraordinário é que isto nem é problema! A maioria "escura" luta no dia a dia. Não tem tempo para reflectir, não tem tempo para discutir. No Domingo, um dia mais descontraído, ele quer é beber uma, dançar um pagode ou um forró, tem lá tempo para política! Nem à escola foi, parte dela. O dominador branco chegou ao Brasil, impôs a sua força, a sua língua e a sua cultura, e, melhor ainda, feito extraordinário, depois de mais de 500 anos continua a fazê-lo, através dos seus descendentes. Pela via da sucessão, o branco continua a dar cartas por aqui. O índio, o moreno, o preto, permanecem num degrau bem inferior na obsoleta pirâmide social, em relação ao branco, bem no vértice.
O que eu vi claramente visto, desta feita com o auxílio da história, é que a escravatura cavou um fosso tão grande entre os cristãos brancos e os cristãos mais escuros que não sei se bastarão uns curtos séculos para sanar o problema.
O pobre do Lula, que até é moreno, mas que parece branco, está longe de resolver as questões sociais, até porque os seus ministros e deputados do PT lhe arranjam muito que fazer, porque a cada passo se descobre que um deles meteu a mão onde não devia. O Gilberto Gil é a velha excepção, e mesmo assim, um caso especial, como foi o do Pélé, quando foi "Ministro dos Esportes", ou coisa que o valha.
Isto foi o que eu vi, claramente visto. Depois da era do índio (20 000/9 000 a.c - 1500) chegou a era do branco (1500-???). A diferença é que na era do índio só existiam índios...