19 junho, 2005

A Era do Branco...

Viajar, conhecer (não visitar apenas, que isso é pouco mais que quase nada), mas conhecer no seu íntimo as realidades dos povos e das pessoas é enriquecedor, e julgo que essencial, na formação de um historiador. O "vi claramente visto" de Camões faz mais sentido nesta cabeça agora menos oca. O Brasil, país onde me encontro, deu-me a ver claramente o que ninguém pode ver pelos jornais e televisões, do outro lado do oceano. Visitar o Brasil durante uma semana, dividida entre as praias de Porto de Galinhas e umas quantas igrejas e museus de Olinda enriquecem um pouco a pessoa, mas conhecer verdadeiramente um país, ou uma parte de um país, convivendo diariamente com os nativos, ouvindo o que dizem, vendo como comem e onde comem, observando os seus modos no trânsito, o seu comportamento em diversas situações é uma experiência que vale mais do que uns anos de universidade, embora, refira-se, esta aguça-nos o instinto e dá-nos algumas armas para essa observação. Tem sido uma tarefa antropo-sociológica intensa. Quase há um ano aqui, poderei então contar o que claramente tenho visto em Pernambuco em particular e no Brasil em geral.
No Brasil quem manda são os brancos. O dinheiro está nas mãos dos brancos, os cargos políticos estão na mão dos brancos, os melhores empregos estão nas mãos dos brancos. Quem frequenta os bons restaurantes são os brancos que têm dinheiro (sim, porque existem alguns brancos que não têm dinheiro).
Cabelo "ruim", aqui em Pernambuco, significa cabelo encaracolado ou encarapinhado. Cabelo "bom" é cabelo liso. Mulheres e homens brancos são sexualmente muito mais objecto de desejo do que os morenos e os pretos, até por estes últimos. Ter cor branca não é tudo, mas que dá uma grande ajuda dá. Nos bancos, emprego apetecido, a quase totalidade dos funcionários é branca. Já na Detran, uma empresa estatal que se ocupa do trânsito, onde o salário não será muito bom, a maioria dos seus funcionários é morena.
Não vejo contudo quase ninguém a manifestar-se sobre esta preocupante questão. Os rappers "Racionais", com um imenso currículo e prémios, abordam o problema social, mas nunca racial, de forma politicamente correcta, denunciando as injustiças, mas, no fundo, justificando-as, pela miséria e pela culpa do político (branco).
Quanto cinismo! Grafitte, jogador negro do São Paulo e da selecção brasileira, foi insultado por um jogador argentino. Escândalo nacional, com ecos internacionais. Que exemplo está o Brasil a dar ao mundo, dizia a imprensa em uníssono. Brincadeira, digo eu! Os repórteres e jornalistas da Globo, SBT, Record, Rede TV são quase todos brancos. Os actores e actrizes de novela, que os morenos e pretos se habituaram a admirar, são brancos. O "modelo" a seguir é o modelo branco, pois claro.
A verdade, digo eu, é que o Brasil vive num espécie de regime de apartheid, com trejeitos monárquicos, ainda por cima. O mais extraordinário é que isto nem é problema! A maioria "escura" luta no dia a dia. Não tem tempo para reflectir, não tem tempo para discutir. No Domingo, um dia mais descontraído, ele quer é beber uma, dançar um pagode ou um forró, tem lá tempo para política! Nem à escola foi, parte dela. O dominador branco chegou ao Brasil, impôs a sua força, a sua língua e a sua cultura, e, melhor ainda, feito extraordinário, depois de mais de 500 anos continua a fazê-lo, através dos seus descendentes. Pela via da sucessão, o branco continua a dar cartas por aqui. O índio, o moreno, o preto, permanecem num degrau bem inferior na obsoleta pirâmide social, em relação ao branco, bem no vértice.
O que eu vi claramente visto, desta feita com o auxílio da história, é que a escravatura cavou um fosso tão grande entre os cristãos brancos e os cristãos mais escuros que não sei se bastarão uns curtos séculos para sanar o problema.
O pobre do Lula, que até é moreno, mas que parece branco, está longe de resolver as questões sociais, até porque os seus ministros e deputados do PT lhe arranjam muito que fazer, porque a cada passo se descobre que um deles meteu a mão onde não devia. O Gilberto Gil é a velha excepção, e mesmo assim, um caso especial, como foi o do Pélé, quando foi "Ministro dos Esportes", ou coisa que o valha.
Isto foi o que eu vi, claramente visto. Depois da era do índio (20 000/9 000 a.c - 1500) chegou a era do branco (1500-???). A diferença é que na era do índio só existiam índios...

4 comentários:

Anónimo disse...

raça forte é raça forte

«Não aceito que o cão do jardineiro determine a lei, mesmo se está no jardim há muito tempo. Não lhe reconheço esse direito. Também não reconheço que tenha sido feito mal aos índios da América ou aos aborígenes da Austrália. Não reconheço que tenha sido feito mal a estes povos, porque uma raça mais forte, uma raça superior, uma raça que possui mais conhecimento, para o dizer de algum modo, veio tomar o seu lugar.» Discurso meu perante a comissão parlamentar de inquérito, relativamente ao massacre praticado pelas tropas britânicas sobre a população palestiniana em 1936, na sequência de uma greve geral anti-sionista.

Anónimo disse...

http://dn.sapo.pt/tools/
imprimir.html? file=/2004/12/16/sociedade/
campanha_publicitaria_contra_racismo.html

Pero Vaz está a ver muito bem. Brasil precisou de Gilberto Freyre precisamente porque é um país muito racista. Torna-se necessário pregar aos quatro ventos o que se sabe não corresponder à verdade. Vim a saber que os descendentes dos colonos portugueses ficam hoje num nível muito inferior aos alemães, italianos, e outros europeus que foram para lá convidados por uma política de branqueamento muito intencionada. Gostava de saber quando e como isto aconteceu?

Anónimo disse...

Quando os «bárbaros» começaram a penetrar no império romano, como escravos ou noutra baixíssima condição, que lhes permitia viver e servir o império mas não os classificava como gente, isto é, como cidadãos de Roma, não andaram a choramingar pelas esquinas ou a exigir subsídios do império: pegaram nas armas que tinham (inteligência, força de trabalho, entre outras)e foram à luta pelo seu reconhecimento e pela sua emancipação e supremacia. E hoje somos a Europa, a região do mundo onde melhor se pode viver (embora não se viva) e para onde estão a confluir os novos bárbaros. No Brasil, imensamente rico e com recursos naturais imensos, será que os «excluídos» não têm mesmo possibilidades? Não podem estudar? Não podem unir-se e exigir melhores condições de trabalho? Afinal quem é que produz?
Ou lamentá-los, sem oferecer alternativa não serão questões de mero racismo disfarçado ou de biggotry para manter os «desgraçadinhos no lugar»? De forma a que eles próprios sintam que não podem fazer nada? Que têm que depender da «bondade» dos «bem intencionados» que só querem o bem deles? O nosso bem somos nós que o conquistamos. Os outros podem ajudar...mas apenas a quem se ajuda a si próprio. Onde acaba a «bondade» e começa outra forma de racismo, o racismo piedoso?
Os brasileiros não precisam de piedade ou lástimas, precisam mas é de estudar, exigir e trabalhar. Especialmente estudar.

Anónimo disse...

vergonha das suas raízes portuguesas

Quinhentos anos após a viagem de Cabral os portugueses acabam por fazer um segundo “achamento” do Brasil, traduzível nas múltiplas viagens que quase sempre terminam no Nordeste onde também depomta apomta he todo praya parma mujto chaã e mujto fremosa [Pero Vaz de Caminha, fol 13v.]. Mas existe o outro lado do País, aquele que revela as suas raízes históricas e nos confronta com o passado comum. Veja-se, por exemplo, Mariana, Sabará ou, sobretudo, Ouro Preto, localizadas em Minas Gerais, um dos Estados que mais directamente sentiu o poder da administração portuguesa no tempo colonial.

Esta “re-achamento” já não surpreende. Todos nós, independentemente do grau de conhecimentos, sabemos que, para além de destino turístico e de fornecedor de bons jogadores de futebol, existe um elo histórico que liga Portugal ao país do sol, do samba e do Cristo Corcovado. O que verdadeiramente espanta é que o inverso não se verifica.

Numa recente missão de trabalho a Belo Horizonte, também em Minas Gerais, tive a oportunidade de conversar demoradamente com Maria de Lourdes Ramalho, uma professora de história do ensino médio. Diálogo rico e animado, no qual foi gratificante constatar o seu interesse em desenvolver projectos culturais que não façam cair no absoluto esquecimento as raízes comuns. Muitos brasileiros de descendência portuguesa, dizia-nos, desconhecem as suas origens lusitanas. Mas, o mais grave é que quando sabem que os seus antepassados vieram de uma indefinível e longínqua aldeia, envergonham-se de revelar que talvez se situe algures... em Portugal! Isto acontece na sua escola, por exemplo.

Diga-se, com a maior justiça, que pelo menos recentemente, houve naquele Estado uma dinamização invulgar, graças à vontade e empenho extraordinário do cônsul de Portugal na cidade, Manuel Frederico Silva, que foi capaz de reunir meios para realizar mais de duzentas exposições, conferências e outras manifestações, em apenas dois anos.

Mas fica a dúvida: quanto desse imenso trabalho ultrapassou os limites de uma pequena elite financeira e política (com acesso privilegiado à educação e ao poder)e de que forma irá contribuir para uma consciencialização de que a história não se desfaz nem se pode descontextualizar.