Há dois anos, quando entrevistei o embaixador português na Índia para o meu Supergoa.com, ele queixava-se com certa razão de que "os portugueses ainda têm a imagem da Índia do encantador de serpentes". Concordo, mas acho que o problema é capaz de ser outro. Não há imagem nenhuma da Índia.
É verdade, as miúdas que andam lá na minha faculdade na Avenida de Berna de dia e que polvilham as ruelas do Bairro Alto de noite (ou será ao contrário?) já andam de mochila, saia e blusa indiana. É verdade, a média de 600 turistas portugueses que visitavam Goa (para não falar da Índia) anualmente nos anos 90, subiu e passou para alguns poucos milhares. Poucos, sublinhe-se. E é verdade, já não só os saudosistas, salazaristas e militares a falar da distante Índia. Agora, simplesmente, ninguém fala da Índia.
Mas, no fundo, a Índia continua a ser uma imensa mancha negra no mapa-mundo português. Eu notei isso quando anunciava que lá ia, há um ano, em meados de 2004. Houve reacções de oposição e de encorajamento, mas, na sua grande maioria, as pessoas dedicaram-me uma expressão facial interrogativa enorme e desesperada. Não sabiam o que dizer. Hesitavam. Alguns refugiavam-se no discurso rebelde de que "só faz é bem, ir lá para fora", incluindo a imensidão indiana no saco-cabe-tudo do "lá fora". Outros perguntavam-me se continuaria a estar acessível por e-mail.
A Índia continua assim refém do que eu chamaria "um fosso geracional". Os mais velhos, que por lá andaram nos anos 50, filhos do Império português (que interessantemente, segundo uma tese a publicar por Francisco Bethencourt, no King's College London, nunca terá existido) estão em vias de desaparecimento, para além de estarem conotados com sectores conservadores pouco na moda. Uma geração intermédia tem claramente mais que fazer, legitimamente ou não concentrada e orientada para Bruxelas, e vive também sob o manto do trauma colonial. Finalmente, os mais novos, especialmente a geração sub-30, tende a perguntar-me como é que está a construção da barragem e a preservação das gravuras rupestres quando lhes falo em Goa. Há que redescobrir a Índia, parece-me.
Perdoem-me o meu tom que pode parecer censurador. Mas eu mesmo hesito muitas vezes. Fazem-me crer que sou um Fernão Mendes Pinto do século XXI, mas na realidade não sou mais do que um estudante internacional em mobilidade. Mobilidade contra a corrente? Nem por isso. Uns 3000 km acima de nós a maioria dos escandinavos tiram pelo menos um ano depois do secundário para viajarem pelo mundo não-ocidental ou para fazerem estágios no apoio ao desenvolvimento nos países que muitos dos meus colegas chamariam "os mais encavados". Nova Deli capital terceiro-mundista? Nem por isso. O que iriam para lá fazer tantos chefes-de-estado nestes últimos meses, a não ser negociar contratos de investimento, aumento de "green cards", programas de intercâmbio e pacotes de armamento?
Algo está a mudar. Eu nem proponho a discussão sobre como nos devemos relacionar com o que há de novo a Oriente. Sugiro, simplesmente, que se começe por reconhecer que há algo de novo. Esse é o primeiro passo. Conhecer, partir pedra, seja pela leitura ou pela deslocação física. Quebrar os conceitos e as fronteiras geográficas e mentais que ainda aprisionam a visão do mundo portuguesa. Que Portugal se oriente novamente, autonomamente.
Mas há mudança. Contrastando com o enorme vácuo de há um ano, as pessoas que me encontram agora já dizem algumas banalidades. Normalmente comentam que a Índia "tá em grande nas tecnologias da informação e nos computadores e nisso tudo", claro que nunca deixando de fora o comentário mais ou menos jocoso (depende se estou no Rogel saloio com o meu mecânico ou com um licenciado em Lisboa) que "eles também são mais que as mães / são marrões / são inteligentes e trabalhadores". E o comentário bónus é sobre a questão militar porque "eles têm capacidade nuclear" e depois vêm umas palavras complicadas como "proliferação" ou banais como "ainda nos caem as bombas na cabeça".
E há também leve mudança porque vejo que entre as gerações mais novas de portugueses – mesmo que décadas em atraso comparativamente às suas congéneres europeias – já há mais pessoas a abrir os olhos e a fazer as malas, explorando as manchas negras do nosso mapa-mundo que em tempos foi o melhor do planeta.
Adaptação de texto original em http://avidaemdeli.blogspot.com
09 outubro, 2005
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1 comentário:
Só com mais familiaridade, e casados?
Distância, isolamento, pobreza, serão os factores que explicam as lamentações muito legítimas do TINO! Os Portugueses isolaram-se muito da Índia com o rumo da história que se lhes foi desforável durante a última meia centúria. As dificuldades financeiras que continuam e aumentam para o país periférico na UE ajudam pouco para acabar com este isolamento. Não será altura para reviver o plano de Afonso de Albuquerque (não tardam as comemorações da sua conquista de Goa)que queria "genros" portugueses na Índia?
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