Em resposta ao comentário do caro blogger Pero Vaz, sinto-me compelido a escrever novo artigo, pois que me parece que ainda não foi abordada a questão de fundo.
Sou europeu por convicção e cristão por defeito. No vislumbre que tive das caricaturas de Maomé, não me pareceu que fossem assim tão ofensivas, pelo menos do ponto de vista ocidental. Mas isso é na cultura ocidental, que foi formada pelos ideais libertários da Revolução Francesa a qual também promoveu uma separação entre Igreja e Estado. E, no entanto, basta atentar nas cerimónias ocorridas em Fátima para transladação do corpo da última vidente (reconhecida) das aparições para se perceber como o fenómeno religioso ainda está tão vincado na sociedade.
Agora imagine-se que não tinha ocorrido a Revolução Francesa. Imagine-se que a Igreja mantinha a mesma preponderância social que detinha nos tempos medievais. Imagine-se que, para cúmulo, era por ela que passava toda a instrução das massas. Imagine-se, aqui no ocidente, o mesmo rancor e a mesma frustração diariamente alimentados pelos radicais - a quem foi fornecida substancial quantidade de "munições" para agitar as massas - que romantizam a memória cultural do séc. XIII, em que eram o centro político e cultural do mundo, esquecendo convenientemente os aspectos negativos e a vida dura da época.
Imagine-se ainda ver a sua sociedade ser moldada pelo triunfo do dinheiro e da tecnologia ocidentais onde as Cruzadas falharam, subvertendo - para eles - o modo de vida "são" que era tradicional.
Por fim imaginemos um crescendo, com atitudes como a do ministro italiano ao envergar uma t-shirt com as referidas caricaturas em plena TV ou as declarações belicistas de outros responsáveis europeus, que, por sua vez, provocam a resposta exacerbada do fanatismo islâmico. Por menos que isso já deflagraram duas guerras mundiais.
Não se combate o fogo com o mesmo fogo. Se queremos esvaziar o fundamentalismo islâmico como inequívoca ameaça à civilização que, boa ou má, é a que temos, não podemos continuar a fornecer-lhe gratuitamente argumentos para que continue a existir.
É certo que todos somos livres de fazer o que queremos, mas devemos usar a nossa liberdade sabendo que acaba onde começa a dos outros. Afinal de contas, não andamos pela rua a insultar quem se cruza connosco só porque temos a liberdade para o fazer.
21 fevereiro, 2006
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1 comentário:
Existem, manifestamente, várias opiniões sobre o que é bom-senso. Creio qeu o "problema" está aí. para ti, Fernão, bom-senso é não fazer caricaturas, para não provocar os islamitas. Para mim, bom senso é os islamitas aceitarem as caricaturas, percebendo que a liberdade de expressão existe na Europa, onde muitos procuram trabalho, e aceitarem-nas. Claro que para os nossos irmãos muçulmanos (conheci muitos e muitos, cujo sonho era viajar para a Europa, para trabalhar)tudo é intencional, se não está de acordo com os seus padrões. E que padrões são esses? São desactualizados, machistas, arrogantes (como diz o Louçã), intolerantes, e mais uns "antes" a seguir.
O que é ser intolerante? Esta é outra questão. Eu só opino em blogues, em conversas, em folhas A4. Eu não desenhei caricaturas e muito menos fui para a rua atacar embaixadas de dinamarqueses, que, aliás, apoiam a causa palestiniana. É a velha questão do cuspir no prato que te dão, assinale-se. Eu estou solidário com os jornalistas e cartoonistas, estou contra qualquer radicalismo, qualquer acto de violência. Acho que para europeu (ainda por cima da periferia) estou a ser bem moderado e tolerante, ao contrário do estúpido ministro italiano.
Vamos a ver no que isto dá...
Abraço
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