Timor está mais uma vez a ferro e fogo.
Sucedem-se os actos de vandalismo, as ameaças mais ou menos veladas, a crise institucional entre o Presidente da República (PR) e o Primeiro-Ministro (PM) agrava-se e de ambos os lados já se começam a "contar espingardas" (figurativa e literalmente) e a acertar posições tendo em vista... não se sabe bem o quê, mas paira no ar o espectro da guerra civil.
As causas?
São ainda mais confusas.
Ao que parece surgiram acusações de que o PM teria armado milícias para acabar com os opositores. Isto apoiado em "provas irrefutáveis" como sejam uma reportagem televisiva num canal australiano ou declarações de alguns "arrependidos". Tanto quanto se sabe ainda não houve qualquer investigação independente.
E porque seria necessária uma investigação independente? As instituições judiciais timorenses não terão competência para investigar o caso?
Pois, aparentemente não. Formaram-se comissões de descontentes, os militares revoltaram-se, a população que não está ocupada a fugir da violência toma um ou outro partido, mas das autoridades judiciais ainda não se ouviu qualquer expressão. Será que existem?
Por outro lado, regista-se uma quase omnipresença de militares australianos cuja missão oficialmente divulgada seria a de restabelecer a paz. Infelizmente, porém, o que se tem verificado é que quem incendeia casas tem actuado quase impunemente, pois surgem aqui e ali relatos de impassividade dos soldados da Austrália perante a situação.
A par disso, há a registar certos atritos entre os portugueses e os australianos. Desde os obstáculos postos ao envio de força da GNR, passando pelo desautorizar desta em pleno teatro de operações, chegando ao importunar de individualidades portuguesas como é exemplo o caso da visita do nosso Duque de Bragança, que viajando num carro com identificação da embaixada de Portugal e escoltado por um elemento dos GOE, foi mandado parar por uma patrulha australiana sendo que ao polícia português foi exigida a entrega da arma pessoal (devo dizer que não conheço pessoalmente o sr. Duarte Pio, mas, pelo que tenho visto na TV, acho que ele não se parece nada com um incendiário timorense), tem-se assistido a uma certa má vontade contra Portugal, como se a presença da antiga potência colonial fosse de algum modo inconveniente para os projectos de uma potência regional que terá quiçá aspirações a neocolonial.
E porquê? Porque razão haveria a Austrália de se preocupar com um dos países mais pobres, senão o mais pobre, do mundo?
Bem, o país poderá ser pobre mas tem importantes riquezas naturais estratégicas como o petróleo e o gás natural, as quais sem dúvida justificarão uma tentativa de influenciar a sua política interna no sentido de colocar no poder alguém mais "compreensivo" para com os interesses de Camberra, uma visão que é de resto unanimemente partilhada por quem teve ocasião de conhecer de perto a realidade timorense.
Mais uma vez, como em tantas ocasiões anteriores, a riqueza do petróleo transforma-se numa maldição para quem a possui. Vem-me à memória a minha visita a Cabo Verde no distante ano de 2000. O motorista do táxi que nos transportava, um respeitável senhor de meia-idade, contava orgulhoso que na ilha iria nascer uma fábrica de lapidação de diamantes e a minha esposa terá dito que o que seria bom era que no país fosse encontrado petróleo; resposta imediata do caboverdiano: "Deus me livre!"...
30 junho, 2006
19 junho, 2006
D. João II, O Príncipe Perfeito
Estou a finalizar a leitura da biografia deste rei, da autoria de Adão Fonseca, inserida na colecção Reis de Portugal editada pelo Círculo de Leitores.
É uma obra que escalpeliza ao pormenor todo o reinado de D. João II, não esquecendo a conjuntura que este herdou de seu pai D. Afonso V e as consequências do mesmo para o país.
Pode afirmar-se que se trata de um trabalho homérico, atendendo a que a informação disponível se encontra na maior parte dos casos dispersa por diversas fontes, mas que se lê com interesse.
Saliento aqui o capítulo sobre a política de expansão ultramarina iniciada por D. Afonso V e concretizada pelo seu filho e a mudança conceptual que esta implicou nas mentalidades da época. De facto, até ao seu reinado pensava-se, em termos genéricos, o Atlântico como uma continuação na horizontal do Mediterrâneo, o que ficaria estabelecido no Tratado de Alcáçovas-Toledo que preconizou uma primeira divisão do mundo conhecido entre Portugal e Castela. Nos posteriores tratados de Tordesilhas (sim, foram dois assinados na mesma altura, um sobre o comércio da Guiné e outro, o mais famoso, que foi a delimitação de 350 léguas para Ocidente a partir das ilhas de Cabo Verde) , assiste-se a uma divisão na vertical do mundo então conhecido e a conhecer.
Isto só foi possível graças ao trabalho de exploração da costa africana iniciado por D. João II, que mudaria o enfoque da política externa portuguesa, deixando esta de estar centrada na Europa e nos seus jogos de influências, para se expandir para além desta.
E como foi isso conseguido?
Pela experiência de marinharia dos portugueses que, consoante a época do ano, eram pescadores ou corsários, adquirindo competências de navegação no alto mar que seriam úteis para a posterior descoberta do caminho marítimo para a Índia.
De referir ainda que D. João II dispunha de um eficaz serviço de informações. Obviamente não nos termos em que hoje é entendido, mas algo mais parecido com o ter pessoas da sua confiança gravitando na corte castelhana (não necessariamente espiões), as quais lhe forneceriam dados preciosos sobre as opiniões dominantes ou sobre as tendências políticas que teriam mais hipóteses de se concretizarem no pensamento dos Reis Católicos, permitindo assim ao soberano português negociar indo ao encontro dos interesses castelhanos ao mesmo tempo que promovia os da coroa portuguesa.
Pelo exposto, e apesar de haver sempre uma componente de lenda nos cognomes dados aos reis, penso ser inteiramente justa a denominação de Príncipe Perfeito, dada a política por este Rei desenvolvida, a qual se pode considerar nos primórdios de um Absolutismo pela ênfase posta na autoridade régia e do Estado.
Recomendo vivamente para quem quiser saber mais sobre, por exemplo, os bastidores da expansão ultramarina de Portugal.
É uma obra que escalpeliza ao pormenor todo o reinado de D. João II, não esquecendo a conjuntura que este herdou de seu pai D. Afonso V e as consequências do mesmo para o país.
Pode afirmar-se que se trata de um trabalho homérico, atendendo a que a informação disponível se encontra na maior parte dos casos dispersa por diversas fontes, mas que se lê com interesse.
Saliento aqui o capítulo sobre a política de expansão ultramarina iniciada por D. Afonso V e concretizada pelo seu filho e a mudança conceptual que esta implicou nas mentalidades da época. De facto, até ao seu reinado pensava-se, em termos genéricos, o Atlântico como uma continuação na horizontal do Mediterrâneo, o que ficaria estabelecido no Tratado de Alcáçovas-Toledo que preconizou uma primeira divisão do mundo conhecido entre Portugal e Castela. Nos posteriores tratados de Tordesilhas (sim, foram dois assinados na mesma altura, um sobre o comércio da Guiné e outro, o mais famoso, que foi a delimitação de 350 léguas para Ocidente a partir das ilhas de Cabo Verde) , assiste-se a uma divisão na vertical do mundo então conhecido e a conhecer.
Isto só foi possível graças ao trabalho de exploração da costa africana iniciado por D. João II, que mudaria o enfoque da política externa portuguesa, deixando esta de estar centrada na Europa e nos seus jogos de influências, para se expandir para além desta.
E como foi isso conseguido?
Pela experiência de marinharia dos portugueses que, consoante a época do ano, eram pescadores ou corsários, adquirindo competências de navegação no alto mar que seriam úteis para a posterior descoberta do caminho marítimo para a Índia.
De referir ainda que D. João II dispunha de um eficaz serviço de informações. Obviamente não nos termos em que hoje é entendido, mas algo mais parecido com o ter pessoas da sua confiança gravitando na corte castelhana (não necessariamente espiões), as quais lhe forneceriam dados preciosos sobre as opiniões dominantes ou sobre as tendências políticas que teriam mais hipóteses de se concretizarem no pensamento dos Reis Católicos, permitindo assim ao soberano português negociar indo ao encontro dos interesses castelhanos ao mesmo tempo que promovia os da coroa portuguesa.
Pelo exposto, e apesar de haver sempre uma componente de lenda nos cognomes dados aos reis, penso ser inteiramente justa a denominação de Príncipe Perfeito, dada a política por este Rei desenvolvida, a qual se pode considerar nos primórdios de um Absolutismo pela ênfase posta na autoridade régia e do Estado.
Recomendo vivamente para quem quiser saber mais sobre, por exemplo, os bastidores da expansão ultramarina de Portugal.
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