Valignano organiza a Companhia de Jesus no Japão no sentido da união e coesão entre todos os missionários, para que o projecto evangelizador não se perdesse em contradições e cisões internas.[1] É na sequência desta visão que são transmitidas instruções[2] expressas para a:
1. A aprendizagem da língua japonesa;[3]
2. A tradução dos textos religiosos japoneses mais importantes, o seu estudo e refutação;[4]
3. A tradução dos textos religiosos e de grandes pensadores europeus;[5]
4. Conhecimentos profundos dos costumes e mentalidade dos japoneses[6].
Pela primeira vez, de forma sistematizada, é efectuado um esforço concertado por parte dos missionários, tendo como objectivo principal a adaptação à hierarquia religiosa japonesa, utilizando estratificações sociais conhecidas[7], de forma a poderem com maior facilidade converter os gentios japoneses à fé cristã[8].
Estas novas directrizes incluem também a manipulação de determinados costumes das populações japonesas com o objectivo de colmatar e reforçar as hostes deficitárias de padres. Um exemplo flagrante do que fica dito encontra-se no costume do aborto e do infanticídio, o qual é estrategicamente aproveitado pelos eclesiásticos europeus:
Em Europa, posto que o haja, não é frequente o aborcio das crianças; em Japão é tão comum, que há mulher que aborta vinte vezes.[9]
Esta prática recorrente na sociedade japonesa quinhentista e seiscentista seria utilizada por Valignano da seguinte forma:
Cuanto a lo tercero de recibir los niños que suelen matar las madres, parece que seria cosa muy buena, porque allende de salvar muchas almas y evitar muchos pecados tendría con el tiempo la Iglesia mucha gente de servicio, porque habría de ser en esta obligación: que alo menos hasta los treinta años quedarían obligados a servir a la Iglesia[10]
Esta ideia materializa-se na Historia de Japam de Luís Fróis, onde o autor refere a utilização de crianças que, abandonadas à sua sorte, são recolhidas pelos membros da Companhia, as quais serão instruídas na pregação evangélica, transformando-se em instrumentos fundamentais de propagação da fé em território japonês[11].
É nesta estrutura que se insere a Misericórdia de Nagasáqui, como um organismo que se empenha em atenuar as fricções sociais do Japão de então, e acentuar através de um profundo conhecimento da mentalidade nipónica, o movimento de conversão.
1. A aprendizagem da língua japonesa;[3]
2. A tradução dos textos religiosos japoneses mais importantes, o seu estudo e refutação;[4]
3. A tradução dos textos religiosos e de grandes pensadores europeus;[5]
4. Conhecimentos profundos dos costumes e mentalidade dos japoneses[6].
Pela primeira vez, de forma sistematizada, é efectuado um esforço concertado por parte dos missionários, tendo como objectivo principal a adaptação à hierarquia religiosa japonesa, utilizando estratificações sociais conhecidas[7], de forma a poderem com maior facilidade converter os gentios japoneses à fé cristã[8].
Estas novas directrizes incluem também a manipulação de determinados costumes das populações japonesas com o objectivo de colmatar e reforçar as hostes deficitárias de padres. Um exemplo flagrante do que fica dito encontra-se no costume do aborto e do infanticídio, o qual é estrategicamente aproveitado pelos eclesiásticos europeus:
Em Europa, posto que o haja, não é frequente o aborcio das crianças; em Japão é tão comum, que há mulher que aborta vinte vezes.[9]
Esta prática recorrente na sociedade japonesa quinhentista e seiscentista seria utilizada por Valignano da seguinte forma:
Cuanto a lo tercero de recibir los niños que suelen matar las madres, parece que seria cosa muy buena, porque allende de salvar muchas almas y evitar muchos pecados tendría con el tiempo la Iglesia mucha gente de servicio, porque habría de ser en esta obligación: que alo menos hasta los treinta años quedarían obligados a servir a la Iglesia[10]
Esta ideia materializa-se na Historia de Japam de Luís Fróis, onde o autor refere a utilização de crianças que, abandonadas à sua sorte, são recolhidas pelos membros da Companhia, as quais serão instruídas na pregação evangélica, transformando-se em instrumentos fundamentais de propagação da fé em território japonês[11].
É nesta estrutura que se insere a Misericórdia de Nagasáqui, como um organismo que se empenha em atenuar as fricções sociais do Japão de então, e acentuar através de um profundo conhecimento da mentalidade nipónica, o movimento de conversão.
[1] Cf. L. Fróis, História do Japam., vol. III, 1982, ., p. 284:
Chegando o P.e Vizitador a Nangazachi chamou todos os Padres que estavão pelas rezidencias, tratando de novo as couzas que já tinha consultadas com os Padres de Bungo e do Miaco. E nesta derradeira consulta deo remate e poz termo ao que deixava ordenado em Japão, e se concluirão muitas couzas de grande serviço de Nosso Senhor. Também determinou alguns cazos que em Japão tinhão postos aos Padres, em grande perplexidade por serem difficultozos e novos e, conforme a rezolução que sobre elles deo (athé virem determinados e rezolutos de Roma por Sua Santidade), ordenou que corressemos todos para que não houvesse no governo desta christandade em couzas tão importantes diversidade nos pareceres.
[2] Ibid., pp. 177-178:
Deixou mais o P.e Vizitador ordenado o modo que havíamos de ter acerca dos costumes e cerimonias, e maneira de proceder da terra, couza muito dezejada dos mesmos japões, para se guardar em nossas cazas e nos podermos melhor conformar com elles; e que não hé de pouca importância para sermos bemquistos e tidos em boa opinião entre elles, porque, como os costumes e cerimonias desta terra são tão diferentes e contrários dos que se uzão em Europa, e athé agora não tínhamos huma certa ordem que houvéssemos de guardar acerca delles, alem de isto cauzar entre nós huma certa confuzão, não sabendo como nos havíamos de haver nos costumes e modo de tratar com elles, se seguião outros incovenientes mayores ficando muitas vezes os japões offendidos, e cauzando-se huma certa divizão de ânimos e perda de muito frutto pela contrariedade que havia dos nossos e dos seos costumes. Pelo qual se ordenou que em todo se procedesse em nossas cazas conforme ao modo próprio e acostumado de Japão, fazendo-se para este effeito huns avizos nos quaes podessem todos aprender os costumes e forma de proceder. E com isto e com os regimentos que deixou para se guardarem nas cazas e rezidencias para sermos todos uniformes, se entende que com a observação delles pode crescer muito entre os nossos a união dos ânimos e o frutto e reputação de nossa santa ley entre os jappoens.
[3] Ibid., p. 130:
[...] alem de se perfeiçoar a Arte que se tinha feita, se ordenou e se fez hum copiozo Vocabulario e alguns diálogos faciles e familiares na lingua de Japão com os quaes se forão os Irmãos grandemente ajudando [...]
[4] Ibid., p. 173:
Também fez o P.e Vizitador com alguns japões entendidos nas seitas hum diffuso cathecismo, bem ordenado, assim para por elle se poder pregar aos novos conversos, como para os Irmãos ficarem melhor instruídos e mais alumiados nas couzas de nossa fé quando cathequizassem os gentios.
Cf. P. Kornicki, The book in Japan, Netherlends, Koninklijke Brill NV, 1998, p.126: «These included part of the Heike monogatari in an adapted and romanized version.»
[5] Cf. P. Kornicki, op. cit., p. 126: «For the students, for example, there were texts in Latin, such as some of Cicero’s speeches and some Virgil as well as some devotional Works.»
[6] L. Fróis, op. cit., vol. III, 1982, pp. 324-325:
[...] o irmão Vicente japão, o mais insigne na língua e corrente nos costumes de Japão de todos os outros, para ensinar os mossos do seminário no modo de pregar, e lhes ensinar as falácias das seitas de Japão para com maior facilidade poderem nas pregações confutar seos erros, couza de que tinhão muita necessidade e que muito os ajudou e lhes deo grande lume e audácia para depois se hirem fazendo bons pregadores como sahirião.
[7] Takase Kôichirô, “Acerca da «Acomodação» na Missionação Cristã no Japão”, trad. Hiroshi Hino, Journal of the Faculty of Distribution and Logistics Systems, Universidade Ryûtsû Keizai, Ibaraki, vol. 34, n.º 1 (1999), pp. 114-115:
Falando da «aculturação» missionológica no Japão, lembramo-nos imediatamente da obra do padre Alessandro Valignano intitulada Advertimentos e Avisos acerca dos Costumes e Catangues de Jappão. O que é mais importante para Valignano nesta obra é a importância de os jesuítas manterem o prestígio secular e a autoridade religiosa. Isso não teria sido possível sem reconhecer a consciência hierárquica arraigada na sociedade japonesa de então. Parecia, por isso, conveniente ao padre Valignano “porem-se” vários graus sacerdotais, «na mesma altura em que os bomzos da seyta dos genxus [禅宗] que entre todas he tida em Japão por principal e que tem mais commonicação com toda a sorte de gemte de Japão». Assim, os jesuítas no Japão passaram a estar divididos em algumas hierarquias, a saber; o “Superior de Japão”, que «terá a altura do primcipal Não-jenjino ycho [南禅寺之院長]»; os “Superiores Universais”, que «terão a altura dos simco Choros de Gosan [五山之長老]», os “Padres todos [comuns?]”, que «estarão na altura que tem comummente os Choros [長老]»; os “Irmãos antiguos”, que «estarão na altura dos Xusas [首座], que são bomzos formados que esperão de ser Choros [長老]»; os “Irmãos novicios”, que «estão no amdar dos Zosus [蔵主], que são os que esperão de ser bomzos formados»; e finalmente os “Dogicos [同宿]”, assistentes catequistas não pertencentes à Companhia de Jesus, que «terão o luguar que tem nas ditas varelas os Jixas [侍者]».
[8] L. Fróis, op. cit., vol. II, 1981, p.366. Pode verificar-se no seguinte trecho essa contaminação conceptual:
O P.e Gaspar Coelho, por sua prudencia e virtude, foi logo encarregado pelo P.e Francisco Cabral a ser superior das partes de Ximo, e depois foi em ordem o 3º superior universal de Japão e primeiro vice-provincial que houve nestas partes.
[9] Cf. L. Fróis, Europa, Japão, um diálogo civilizacional no séc. XVI. Tratado em que se contêm muito sucinta e abreviadamente algumas diferenças de costumes entre a gente de Europa e esta província de Japão, apresentação de j. m. garcia, fixação de texto e notas por r. d’intino, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (col. “Oceanos”), 1993, p. 73.
[10] Cf. A. Valignano, Sumario de las cosas de Japon, cap. XXX, p. 343 (apud Irmã Ignatia (Rumiko Kataoka), “Fundação e Organização da Confraria da Misericórdia de Nagasáqui”, Oceanos, “Misericórdias – Cinco Séculos”, n.º 35 (1998), p. 114.
[11] L. Fróis, Historia de Japam, vol. IV, 1983, p. 6:
E porque em Nangazaqui são todos christãos, os filhos se vão multiplicando com estranha differença dos outros lugares dos gentios, porque os não matão; e muitos destes vem a ser dogicos dos Padres que andão na conversão, outros entrão nos seminários e os que Deus N. Senhor tem recolhidos são depoes admitidos na Companhia. E como são criados fora da disciplina venenoza dos bonzos, pela boa dispozição que tem e partes naturaes, se vão fazendo aptos instrumentos para ajudarem aos padres nos ministérios da pregação evangelica.