- Exemplos…
Nestas duas pertinentes questões, se encerra um dos mais actuais, oportunos e interessantes capítulos da Historiografia, ou melhor, do estudo da Historiografia, enquanto Ciência Histórica, auxiliar ou complementar desse imenso fresco que é a ciência maior, mais vasta, mais ampla, do ponto de vista multidisciplinar e interdisciplinar, enquanto História propriamente dita.
A Historiografia é, sem margens para dúvida, a ciência que estuda os registos dos acontecimentos e dos factos passados, considerados mais tarde ou na própria actualidade como documentos históricos. Enquanto durante os chamados períodos pré-clássicos, clássico e até, durante toda a Idade Média, praticamente até finais do século XV, os registos se efectuavam de uma forma pragmática, objectiva e sintética[1], dando-nos fé das mais importantes datas da existência de um soberano, um príncipe, um bispo, um alto dignatário da corte, um nobre, uma família representativa ou até de um reinado, ou bispado, em função da apresentação das datas de nascimento e óbito, com o intuito de fazer memória, evocação religiosa, preservar linhagens genealógicas, direitos hereditários, títulos e estatutos sociais, dignidades públicas e eclesiásticas, não é menos verdade que este tipo de prática foi evoluindo, com a própria evolução dos tempos, com a natural evolução das mentalidades, com a expectável evolução do estádio intelectual e racional do Homem e com a consequente evolução tecnológica do último século, século e meio.
De meros registos burocráticos das chancelarias régias, como forma de observar, controlar e validar leis, doações e privilégios; a registos genealógicos, como método de garantiar e perpetuar a veracidade e legalidade de determinados extractos sociais da nobreza; a registos religiosos, como testemunho de testamentos e doações, que obrigavam à evocação e memória dos instituidores de conventos e mosteiros, a historiografia mais antiga, cede lugar a crónicas e estórias, mais ou menos focalizadas em grandes momentos – guerras, batalhas, casamentos, embaixadas, estabelecimento de laços ou convénios políticos e diplomáticos - ou em períodos de tempo mais alargados e correspondentes a reinados, ou a determinadas épocas com um denominador comum ou um protagonista central.
Com o refinamento da própria arte da escrita, com o domínio e desenvolvimento do uso das ideias, do conhecimento, da sua desejável interligação, com uma leitura mais transversal dos acontecimentos e uma visão mais internacional, os registos ganham colorido, dimensão, profundidade, planos primários e secundários, sequências, continuidades, duração e ligação entre tempos e acontecimentos ou factos com aparente distanciamento ou omisso estabelecimento de relação.
Em Portugal, Fernão Lopes, ‘escrivão de livros’ do rei D. Duarte (1434), marca como que o início da era ou época moderna e deixa escola, uma escola que perdurará e será enriquecida e remodelada por Rui de Pina.
Esta observação, consistente e coerente, se atentarmos na própria observação persistente da evolução dos tempos, vai ganhando contornos e diferenciamentos que nos permitem, mais tarde, estabelecer contactos, comparações, afinidades e distanciamentos. Começamos a poder ler textos sobre determinadas figuras, acontecimentos, factos e períodos, chamados históricos, bastante diferentes na fórmula, no conteúdo, no estilo e até nas conclusões apresentadas.
Dois autores, perante a mesma realidade, o mesmo acontecimento, a mesma fonte, podem – porque a isso os impele a liberdade de interpretação, a riquesa individual de conhecimentos e ferramentas de trabalho e investigação disponíveis! – dar-lhe leituras históricas diferentes, desde logo fazendo abordagens pela via sociológica, económica, política, ideológica ou outras. Dois autores, do ponto de vista académico, podem divergir nos métodos de análise e reflexão e por vias paralelas, chegarem a conclusões coincidentes ou diferenciadas.
Poderemos assim dizer, com as naturais reservas, da humildade própria e devida pela condição de discente, que a evolução ocorrida no conceito de uma história narrativa para uma história problematizante, foi quase natural, tão natural como a contextualização da evolução das mentalidades e das ideias, ao fim e ao cabo, a evolução do próprio Homem, enquanto parte nuclear da própria História.
Mais, com o advento dos tempos contemporâneos, a história problematizante, apresentada com capacidade de observação, motivos de análise, intuição reflectiva, comparação e massa crítica, ganha adeptos e não se circunscreve a meras apreciações diferenciadas entre autores. Ela própria, nos tempos que nos coube em sorte viver, equaciona muita da historiografia existente e dos métodos de estudo até hoje desenvolvidos e aplicados. Lança novos olhares, novas perspectivas e novas perguntas sobre o que se considerava ou considerou largo período de tempo como definitivo ou dogmático.
Desde logo, porque durante muito tempo, a historiografia se centrou no papel dos protagonistas maiores da história – reis, prícipes da igreja, generais, heróis, etc… - e descurou, um pouco como a própria arqueologia, a vida normal e material, logo genuína, do comum dos mortais[2].
Para um melhor entendimento do que é um texto de História narrativa, poderemos dar como exemplo um dos muitos capítulos das crónicas de Fernão Lopes ou Rui de Pina, para falarmos só de casos portugueses.
Do mesmo modo poderemos dar como exemplo de História problematizante o incontornável livro “Identificação de um País” [3], do Professor José Mattoso, ou até, o texto “História e Sistema: Interrogações à Historiografia Pós-Moderna” [4], do Professor António Manuel Hespanha e, que curiosamente, é inspirado no livro já referenciado de José Mattoso.
A Historiografia é, sem margens para dúvida, a ciência que estuda os registos dos acontecimentos e dos factos passados, considerados mais tarde ou na própria actualidade como documentos históricos. Enquanto durante os chamados períodos pré-clássicos, clássico e até, durante toda a Idade Média, praticamente até finais do século XV, os registos se efectuavam de uma forma pragmática, objectiva e sintética[1], dando-nos fé das mais importantes datas da existência de um soberano, um príncipe, um bispo, um alto dignatário da corte, um nobre, uma família representativa ou até de um reinado, ou bispado, em função da apresentação das datas de nascimento e óbito, com o intuito de fazer memória, evocação religiosa, preservar linhagens genealógicas, direitos hereditários, títulos e estatutos sociais, dignidades públicas e eclesiásticas, não é menos verdade que este tipo de prática foi evoluindo, com a própria evolução dos tempos, com a natural evolução das mentalidades, com a expectável evolução do estádio intelectual e racional do Homem e com a consequente evolução tecnológica do último século, século e meio.
De meros registos burocráticos das chancelarias régias, como forma de observar, controlar e validar leis, doações e privilégios; a registos genealógicos, como método de garantiar e perpetuar a veracidade e legalidade de determinados extractos sociais da nobreza; a registos religiosos, como testemunho de testamentos e doações, que obrigavam à evocação e memória dos instituidores de conventos e mosteiros, a historiografia mais antiga, cede lugar a crónicas e estórias, mais ou menos focalizadas em grandes momentos – guerras, batalhas, casamentos, embaixadas, estabelecimento de laços ou convénios políticos e diplomáticos - ou em períodos de tempo mais alargados e correspondentes a reinados, ou a determinadas épocas com um denominador comum ou um protagonista central.
Com o refinamento da própria arte da escrita, com o domínio e desenvolvimento do uso das ideias, do conhecimento, da sua desejável interligação, com uma leitura mais transversal dos acontecimentos e uma visão mais internacional, os registos ganham colorido, dimensão, profundidade, planos primários e secundários, sequências, continuidades, duração e ligação entre tempos e acontecimentos ou factos com aparente distanciamento ou omisso estabelecimento de relação.
Em Portugal, Fernão Lopes, ‘escrivão de livros’ do rei D. Duarte (1434), marca como que o início da era ou época moderna e deixa escola, uma escola que perdurará e será enriquecida e remodelada por Rui de Pina.
Esta observação, consistente e coerente, se atentarmos na própria observação persistente da evolução dos tempos, vai ganhando contornos e diferenciamentos que nos permitem, mais tarde, estabelecer contactos, comparações, afinidades e distanciamentos. Começamos a poder ler textos sobre determinadas figuras, acontecimentos, factos e períodos, chamados históricos, bastante diferentes na fórmula, no conteúdo, no estilo e até nas conclusões apresentadas.
Dois autores, perante a mesma realidade, o mesmo acontecimento, a mesma fonte, podem – porque a isso os impele a liberdade de interpretação, a riquesa individual de conhecimentos e ferramentas de trabalho e investigação disponíveis! – dar-lhe leituras históricas diferentes, desde logo fazendo abordagens pela via sociológica, económica, política, ideológica ou outras. Dois autores, do ponto de vista académico, podem divergir nos métodos de análise e reflexão e por vias paralelas, chegarem a conclusões coincidentes ou diferenciadas.
Poderemos assim dizer, com as naturais reservas, da humildade própria e devida pela condição de discente, que a evolução ocorrida no conceito de uma história narrativa para uma história problematizante, foi quase natural, tão natural como a contextualização da evolução das mentalidades e das ideias, ao fim e ao cabo, a evolução do próprio Homem, enquanto parte nuclear da própria História.
Mais, com o advento dos tempos contemporâneos, a história problematizante, apresentada com capacidade de observação, motivos de análise, intuição reflectiva, comparação e massa crítica, ganha adeptos e não se circunscreve a meras apreciações diferenciadas entre autores. Ela própria, nos tempos que nos coube em sorte viver, equaciona muita da historiografia existente e dos métodos de estudo até hoje desenvolvidos e aplicados. Lança novos olhares, novas perspectivas e novas perguntas sobre o que se considerava ou considerou largo período de tempo como definitivo ou dogmático.
Desde logo, porque durante muito tempo, a historiografia se centrou no papel dos protagonistas maiores da história – reis, prícipes da igreja, generais, heróis, etc… - e descurou, um pouco como a própria arqueologia, a vida normal e material, logo genuína, do comum dos mortais[2].
Para um melhor entendimento do que é um texto de História narrativa, poderemos dar como exemplo um dos muitos capítulos das crónicas de Fernão Lopes ou Rui de Pina, para falarmos só de casos portugueses.
Do mesmo modo poderemos dar como exemplo de História problematizante o incontornável livro “Identificação de um País” [3], do Professor José Mattoso, ou até, o texto “História e Sistema: Interrogações à Historiografia Pós-Moderna” [4], do Professor António Manuel Hespanha e, que curiosamente, é inspirado no livro já referenciado de José Mattoso.
[1] AAVV, “Historiografia”, in Serrão, Joel, “Dicionário de História de Portugal”, vol. VI, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, pag. 418.
[2] Le Goff, Jacques e Chartier, Roger, Revel, Jacques, (direc.), “A Nova História”, Coimbra, Almedina, 1990, pag. 190
[3] Mattoso, José, “Identificação de um País – Ensaio sobre as Origens de Portugal. 1096-1325”, I Oposição, II Composição, Lisboa, 1985, 2 volumes, 457 e 324 pp.
[4] Hespanha, António Manuel, “História e Sistema: Interrogações à Historiografia Pós-Moderna”, Ler História, nº 9, 1986.