Os filhos do Delegado
Conheci o Carlão (nome fictício, porque não me lembro dele, não tanto para salvaguardar a sua identidade) no Recife, num fast-food brasileiro que ficava aberto pela noite dentro. Era irmão de um amigo meu. Grande, sem um dente na frente, mas com aparelho ortodontológico (credo!), gordão, cabelo rapado, feições negras, Carlão era taxista, tal como o irmão. Sorria para mim, sabia quem eu era. O irmão já lhe havia contado das nossas noitadas nos night-clubes do Recife, atoladas de caipirinha, Wisky, rodeados de mulheres lindas, interesseiras.Morto há largos anos o patriarca da família, um valente delegado do Recife, com fama interestadual feita à custa das balas justiceiras, a família ficara um tanto ou quanto desamparada, sem referências, futuro precário. A ambição de procurar mais e melhor fê-los potenciais emigrantes. O sonho americano (dos EUA) e europeu era assunto diário, no pequeno apartamento onde tantas vezes estive. A vida ali seria melhor. A mãe tentou, em vão, duas vezes o consulado americano no Recife: documentos sem fim, comprovativos de emprego fixo e rentável, conta no banco choruda, entre outros. A corajosa senhora, ainda nova e antiga bem-sucedida empresária de produtos de beleza multinacionais, não desesperava. Incentivou talvez os filhos, ainda novos e "com bom corpo para trabalhar".Carlão vendeu um dia o taxi e sabe-se mais lá o quê. Arriscou pagar uma viagem que o levaria para os states, por vias ilegais. Recife-São Paulo, São Paulo-Cidade do México, e daqui para Monterrey ou outra qualquer cidade mais juntinha à fronteira. Estiradas só existem para quem não sonha e não quer. Carlão conseguiu. Passou a fronteira, ludibrou as autoridades. Consta que está bem, já comprou um apartamento no Recife com dólares, que doutra maneira só em sonho.O meu amigo, esse, chegou um dia mais tarde a Portugal. Fui esperá-lo ao aeroporto. A carteira apinhada de cartões de crédito, a conta a zero. Vinha de blazer azul, calça de ganga e sandália (ridiculamente espectacular ou espectacularmente ridículo). Disse ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que no Brasil era micro-empresário no ramo automóvel (de facto não mentiu-era taxista no Recife), que vinha em férias. Deixaram-no entrar e nunca mais de cá saiu.
Amiiigoooo, boa sorte!
[salvaguardados os direitos do autor] Araujo Pedro <pedroaraujo68@gmail.com>
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