22 dezembro, 2005
Última hora: Natal comprometido!
O Natal está comprometido! Estão a envidar-se esforços para contactar o Menino Jesus. Este poderá ser o fim da civilização tal como a conhecemos...
06 dezembro, 2005
Os insondáveis caminhos da Igreja
Fiquei recentemente muito mais descansado.
O Papa Bento XVI decretou que as crianças não baptizadas já podem ir para o céu quando morrerem, ao invés de ficarem num limbo entre o céu e o inferno, "entre as dez e as onze" por assim dizer.
Ora aqui está uma maravilhosa notícia. Quantos pais angustiados não terão agora muito mais conforto quando por doença grave, acidente ou agressão da sociedade os seus filhos falecerem, sabendo que os pobres infantes irão directamente para o Paraíso, para a terra onde escorre o leite e o mel sem cessar.
Porém, há sempre um mas.
Então e todas as criancinhas que já deixaram este mundo de há dois mil anos a esta parte, já para não falar nos milhares de anos em que a humanidade sobreviveu (nem sei como...) antes de aparecer a Igreja de Roma? Entram também ou a medida não tem efeitos retroactivos? Imagino que o sítio em que estavam - onde quer que isso fosse - estaria a rebentar pelas costuras de tantas e tantas alminhas que continha.
Felizmente que o Papa tomou esta importante medida de gestão, senão a coisa iria ficar insustentável. Aliás, o alcance desta resolução é de visão para o futuro, pois nos tempos que correm é mais fácil um camelo entrar no reino dos céus do que qualquer ser humano e assim não se corre o risco de o Paraíso sofrer uma quebra demográfica, que seria a todos os títulos deveras inconveniente.
Ocorre-me o título de uma obra sobre a mitologia grega: "Acreditavam os gregos nos seus deuses?"
O Papa Bento XVI decretou que as crianças não baptizadas já podem ir para o céu quando morrerem, ao invés de ficarem num limbo entre o céu e o inferno, "entre as dez e as onze" por assim dizer.
Ora aqui está uma maravilhosa notícia. Quantos pais angustiados não terão agora muito mais conforto quando por doença grave, acidente ou agressão da sociedade os seus filhos falecerem, sabendo que os pobres infantes irão directamente para o Paraíso, para a terra onde escorre o leite e o mel sem cessar.
Porém, há sempre um mas.
Então e todas as criancinhas que já deixaram este mundo de há dois mil anos a esta parte, já para não falar nos milhares de anos em que a humanidade sobreviveu (nem sei como...) antes de aparecer a Igreja de Roma? Entram também ou a medida não tem efeitos retroactivos? Imagino que o sítio em que estavam - onde quer que isso fosse - estaria a rebentar pelas costuras de tantas e tantas alminhas que continha.
Felizmente que o Papa tomou esta importante medida de gestão, senão a coisa iria ficar insustentável. Aliás, o alcance desta resolução é de visão para o futuro, pois nos tempos que correm é mais fácil um camelo entrar no reino dos céus do que qualquer ser humano e assim não se corre o risco de o Paraíso sofrer uma quebra demográfica, que seria a todos os títulos deveras inconveniente.
Ocorre-me o título de uma obra sobre a mitologia grega: "Acreditavam os gregos nos seus deuses?"
02 dezembro, 2005
Que evolução para o mundo contemporâneo?
Referência de capítulos publicados:
- Introdução (título + “A situação actual”)
- Evolução para um capitalismo selvagem
- Uniformização da sociedade
- As sociedades superpovoadas
- Pensamentos finais.
Pensamentos finais
(continuação)
Naturalmente, esta poderá considerar-se uma visão demasiado pessimista ou demasiado fantasiosa do futuro. Porém, colocando-a contra a luz da actualidade, torna-se bastante plausível. Alguns exemplos podem estabelecer essa relação: o presidente George W. Bush tomou unilateralmente a decisão de abandonar o Protocolo de Quioto – uma tímida iniciativa para diminuir a emissão de gases poluentes pelos países industrializados, da qual cerca de 25% é da exclusiva responsabilidade dos EUA (informação recolhida dos media) – por considerar que tal acordo era prejudicial à indústria americana; o abate de floresta virgem é cada vez mais intenso, pela incessante procura de madeiras exóticas, causando a degradação dos solos e consequentes enxurradas devastadoras motivadas pelas cheias (informação recolhida dos media); a invasão do Iraque tendo em vista – apesar de todos os discursos piedosos acerca da implementação dos Direitos Humanos ou alarmistas sobre uma eventual ameaça iminente de uso de armas de destruição maciça que, curiosamente, nunca foram encontradas – a apropriação e posterior divisão dos recursos petrolíferos do país – de que estarão apenas explorados cerca de 10% (informação recolhida dos media) – entre as potências ocidentais; a pesca excessiva que impossibilita a reposição das populações piscícolas – estimando-se que o bacalhau, por exemplo, que sofreu uma redução de 70% no Mar do Norte, chegue à extinção dentro de quinze anos a manter-se o ritmo actual de pesca (informação recolhida dos media) –, motivada pela crescente demanda de alimento pelas populações humanas em aumento constante; a potenciação da génese de furacões e outras tempestades devido ao aumento de apenas meio grau Celsius da temperatura dos oceanos resultante do efeito de estufa (informação recolhida dos media).
Os exemplos abundam e poderiam multiplicar-se.
Por tudo isto, a realidade ficcionada que foi anteriormente descrita tem grandes possibilidades de poder vir a tornar-se uma realidade concreta, a menos que se encontrem formas de regular a globalização que rege as sociedades ocidentais e que, não há que ter ilusões, veio para ficar, dadas as avassaladoras vantagens do ponto de vista económico. De evitar que essa globalização não se venha a traduzir numa uniformização da sociedade, nivelada pela mediocridade ou pela superficialidade, num mundo superpovoado que, pela busca incessante de recursos, tornará o planeta que lhe serve de guarida num deserto estéril.
Cá estaremos para ver…
Bibliografia
FUKUYAMA, Francis, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Gradiva, s.d.
HUNTINGTON, Samuel, O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Lisboa, Gradiva, 2001, 2ª ed.
HUXLEY, Aldous, Admirável Mundo Novo, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 2001.
HUXLEY, Aldous, Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 2001.
ORWELL, George, 1984, Ana Luísa Faria (trad.), Porto, Público Comunicação Social, S.A., 2002, colec. Mil Folhas, n. 25.
OSBORNE, Richard, Homem Demolidor, I. Mafra, H. César, M. J. Bento, (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1993, colec. Ficção Científica, n. 203.
POHL, Frederik, KORNBLUTH, C. M., Os Mercadores do Espaço, João Miguel Carvalho (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1952, 1ª ed., colec. Ficção Científica, n. 137.
POHL, Frederik, KORNBLUTH, C. M., A Guerra dos Mercadores, Olga Fonseca (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1984, 1ª ed., colec. Ficção Científica, n. 138.
SOARES, Mário, Um Mundo Inquietante, Mafra, Círculo de Leitores, 2003.
Revista História, Ano XXV (III Série), Setembro 2003, nº 59.
Naturalmente, esta poderá considerar-se uma visão demasiado pessimista ou demasiado fantasiosa do futuro. Porém, colocando-a contra a luz da actualidade, torna-se bastante plausível. Alguns exemplos podem estabelecer essa relação: o presidente George W. Bush tomou unilateralmente a decisão de abandonar o Protocolo de Quioto – uma tímida iniciativa para diminuir a emissão de gases poluentes pelos países industrializados, da qual cerca de 25% é da exclusiva responsabilidade dos EUA (informação recolhida dos media) – por considerar que tal acordo era prejudicial à indústria americana; o abate de floresta virgem é cada vez mais intenso, pela incessante procura de madeiras exóticas, causando a degradação dos solos e consequentes enxurradas devastadoras motivadas pelas cheias (informação recolhida dos media); a invasão do Iraque tendo em vista – apesar de todos os discursos piedosos acerca da implementação dos Direitos Humanos ou alarmistas sobre uma eventual ameaça iminente de uso de armas de destruição maciça que, curiosamente, nunca foram encontradas – a apropriação e posterior divisão dos recursos petrolíferos do país – de que estarão apenas explorados cerca de 10% (informação recolhida dos media) – entre as potências ocidentais; a pesca excessiva que impossibilita a reposição das populações piscícolas – estimando-se que o bacalhau, por exemplo, que sofreu uma redução de 70% no Mar do Norte, chegue à extinção dentro de quinze anos a manter-se o ritmo actual de pesca (informação recolhida dos media) –, motivada pela crescente demanda de alimento pelas populações humanas em aumento constante; a potenciação da génese de furacões e outras tempestades devido ao aumento de apenas meio grau Celsius da temperatura dos oceanos resultante do efeito de estufa (informação recolhida dos media).
Os exemplos abundam e poderiam multiplicar-se.
Por tudo isto, a realidade ficcionada que foi anteriormente descrita tem grandes possibilidades de poder vir a tornar-se uma realidade concreta, a menos que se encontrem formas de regular a globalização que rege as sociedades ocidentais e que, não há que ter ilusões, veio para ficar, dadas as avassaladoras vantagens do ponto de vista económico. De evitar que essa globalização não se venha a traduzir numa uniformização da sociedade, nivelada pela mediocridade ou pela superficialidade, num mundo superpovoado que, pela busca incessante de recursos, tornará o planeta que lhe serve de guarida num deserto estéril.
Cá estaremos para ver…
Bibliografia
FUKUYAMA, Francis, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Gradiva, s.d.
HUNTINGTON, Samuel, O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Lisboa, Gradiva, 2001, 2ª ed.
HUXLEY, Aldous, Admirável Mundo Novo, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 2001.
HUXLEY, Aldous, Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 2001.
ORWELL, George, 1984, Ana Luísa Faria (trad.), Porto, Público Comunicação Social, S.A., 2002, colec. Mil Folhas, n. 25.
OSBORNE, Richard, Homem Demolidor, I. Mafra, H. César, M. J. Bento, (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1993, colec. Ficção Científica, n. 203.
POHL, Frederik, KORNBLUTH, C. M., Os Mercadores do Espaço, João Miguel Carvalho (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1952, 1ª ed., colec. Ficção Científica, n. 137.
POHL, Frederik, KORNBLUTH, C. M., A Guerra dos Mercadores, Olga Fonseca (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1984, 1ª ed., colec. Ficção Científica, n. 138.
SOARES, Mário, Um Mundo Inquietante, Mafra, Círculo de Leitores, 2003.
Revista História, Ano XXV (III Série), Setembro 2003, nº 59.
29 novembro, 2005
A MISSÃO
Este vosso amigo, o Pero Vaz, encarnou definitivamente no homem dos descobrimentos. Andou por Marrocos nos idos de 90 do século passado. Descobriu tudo o que devia e não devia e acabou por deixar descendência com gente daquelas paragens. Para procurar "disfarçar", embora sem convicção, baptizou o filho de Afonso. Curiosamente, o menino nasceu a 25 de Junho. A "primeira tarde portuguesa" foi a 24 de Junho, mas de 1128, data da batalha de São Mamede. As coincidências não ficam por aqui. A adorável criança nasceu no Hospital de S. João no Porto, mas como os progenitores tinham morada na Maia, a luz dos olhos de Pero Vaz foi registada na Maia. Ora sabemos nós que na Maia mandavam outrora os Mendes da Maia, família poderosa, que, segundo alguns historiadores, foi quem "fez a cabeça" ao jovem Afonso Henriques. Um dos irmãos, salvo erro Paio Mendo, terá sido o mentor do projecto; o bravo Gonçalo Mendes da Maia (que bela estátua lhe fizeram no centro da cidade) terá sido o comandante no terreno.
Mas o nosso neo-descobridor, Pero Vaz de sua graça, não se ficou por aqui, nem sabemos quando vai parar esta tão nobre demanda. No Brasil-onde foi para estudar, dizia ele-encantou-se, tal como os da frota de Pedro Alvares Cabral, pelas belezas naturais ali existentes. Assim, Pero Vaz, homem de brandos costumes, mas com pouco tino (não é nada pessoal, Tino!), lá acabou por conhecer bem demais a natureza e soube há pouco que espera descendência com gentes de Vera Cruz.
Assim, Pero Vaz, um sebastianista convicto, percebeu a mensagem do Divino e deitou contas à vida. De duas maneiras: a primeira é que as contas agora têm que ser feitas de outra maneira. As contas do Governo afectam também as dele! Mas Pero Vaz está sossegado, é um optimista. Um naco de pão e um copo de leite não hão de faltar! As segundas contas de Pero Vaz dizem respeito à sua agora Missão Divina: só falta descendência na Ásia! Austrália não entra nas contas. Só valem permanências efectivas!
Ah Pero Vaz, fossem todos como tu e não haveria dificuldades de integração. Eram todos filhos e não existiriam enteados.
Pero Vaz reserva esta missão na Ásia para mais tarde. Está com saúde e espírito empreeendedor quanto baste para que, ou na Índia (Goa, quem sabe?), na China ou Japão se cumpra o que está estabelecido...
Mas o nosso neo-descobridor, Pero Vaz de sua graça, não se ficou por aqui, nem sabemos quando vai parar esta tão nobre demanda. No Brasil-onde foi para estudar, dizia ele-encantou-se, tal como os da frota de Pedro Alvares Cabral, pelas belezas naturais ali existentes. Assim, Pero Vaz, homem de brandos costumes, mas com pouco tino (não é nada pessoal, Tino!), lá acabou por conhecer bem demais a natureza e soube há pouco que espera descendência com gentes de Vera Cruz.
Assim, Pero Vaz, um sebastianista convicto, percebeu a mensagem do Divino e deitou contas à vida. De duas maneiras: a primeira é que as contas agora têm que ser feitas de outra maneira. As contas do Governo afectam também as dele! Mas Pero Vaz está sossegado, é um optimista. Um naco de pão e um copo de leite não hão de faltar! As segundas contas de Pero Vaz dizem respeito à sua agora Missão Divina: só falta descendência na Ásia! Austrália não entra nas contas. Só valem permanências efectivas!
Ah Pero Vaz, fossem todos como tu e não haveria dificuldades de integração. Eram todos filhos e não existiriam enteados.
Pero Vaz reserva esta missão na Ásia para mais tarde. Está com saúde e espírito empreeendedor quanto baste para que, ou na Índia (Goa, quem sabe?), na China ou Japão se cumpra o que está estabelecido...
24 novembro, 2005
As sociedades superpovoadas
(continuação)
Contudo, talvez não seja preciso haver uma guerra a nível global. Durante o séc. XIX os sucessivos progressos da tecnologia foram acompanhados de correspondência no campo organizativo. À maquinaria complicada tiveram de ser opostas complicadas disposições sociais, destinadas a funcionarem tão suave e eficazmente como os novos meios de produção. Além disso, as indústrias ao expandirem-se exigiram uma proporção cada vez maior de trabalhadores, encorajando indirectamente a natalidade, até que, presentemente, dado o magnífico sucesso da medicina em prolongar a vida humana, por um lado, e em aguentá-la quando esta ainda é incipiente, por outro, a superpopulação é cada vez mais uma realidade palpável.
A quantidade rapidamente crescente da população pesa cada vez mais sobre os recursos naturais. Cerca de três mil milhões de seres humanos exigem actualmente dos seus governos o provimento de boas condições de vida. A pressão do crescimento demográfico e dos progressos tecnológicos levarão a um incremento dos processos organizativos, que terá reflexo na legislação que rege as comunidades. Certamente que as Constituições e as leis de defesa do cidadão não serão abolidas, mas serão subordinadas às novas realidades tendo em vista o funcionamento regular das instituições de cada país.
Quando a vida económica de uma nação se torna periclitante, compete ao Governo encontrar soluções para enfrentar essa situação crítica, impondo restrições aos seus governados; ora isto traz como consequência um clima de intranquilidade política ou mesmo rebelião declarada, ao qual as autoridades respondem com medidas visando salvaguardar a ordem pública e a sua própria existência, concentrando cada vez mais poder e, finalmente, ainda que não o tenham procurado, tomam-lhe o gosto. São as Constituições democráticas que impedem que demasiado poder se concentre em poucas mãos, mas em qualquer sociedade em que a população começou a exercer intensa pressão sobre os recursos disponíveis, surgem inevitavelmente tentações de governo totalitário.
Assim, a superpopulação conduz à insegurança económica e à intranquilidade social que, por sua vez, levam a um maior controlo governativo e a uma maior concentração do seu poder. Quando os sistemas democráticos são fracos, a tendência é para se instalar um governo ditatorial, conforme tem sido abundantemente demonstrado pela História. No entanto, observando os países ocidentais em que democracia e liberdade constituem património colectivo e que, altamente industrializados, são obrigados a sustentar uma população muito maior do que a que seria possível a partir dos recursos naturais disponíveis, a viragem para um regime totalitário com a consequente centralização económica no Estado ou numa oligarquia, iria quebrar as actuais relações de produção que, mal ou bem, têm vindo a servir de suporte a um bem-estar de modo geral superior ao do resto do globo. Além disso, para a sua própria manutenção, o totalitarismo necessita de subjugar as populações mantendo-as num estado de tensão permanente, o qual, por seu turno, não é favorável ao desenvolvimento económico, já que desvia o esforço das pessoas concentrando-o na sobrevivência individual ao invés de o concentrar na busca de maior conforto para as suas vidas.
Deste modo, o corolário lógico da vivência que nos alvores do séc. XXI é a existente no mundo ocidental e que, inevitavelmente, tem tendência a propagar-se a nível global por constituir sinónimo de invejável sucesso – ainda que esse sucesso tenha sido conseguido à custa dos países menos desenvolvidos, fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata –, não poderá ser uma qualquer forma de totalitarismo que iria pôr em causa uma globalização económica paulatinamente construída desde o final da guerra-fria.
Tem maiores probabilidades de ser tal como foi descrito no capítulo anterior: um capitalismo desenfreado que exauriu por completo os recursos do planeta Terra e que vê os cidadãos apenas e só como consumidores compulsivos que desenvolvem os maiores esforços para tudo adquirirem. Em que o desenvolvimento industrial deixou de ter como objectivo o incremento do bem-estar das populações para passar a perseguir a criação de novos produtos mais vendáveis que os anteriores, subordinado às directrizes das agências de publicidade tornadas todo-poderosas. Em que os governos têm apenas uma função decorativa, subordinados aos ditames dos presidentes das companhias publicitárias que almejam antes de tudo o aumento dos seus lucros.
CONTINUA
Contudo, talvez não seja preciso haver uma guerra a nível global. Durante o séc. XIX os sucessivos progressos da tecnologia foram acompanhados de correspondência no campo organizativo. À maquinaria complicada tiveram de ser opostas complicadas disposições sociais, destinadas a funcionarem tão suave e eficazmente como os novos meios de produção. Além disso, as indústrias ao expandirem-se exigiram uma proporção cada vez maior de trabalhadores, encorajando indirectamente a natalidade, até que, presentemente, dado o magnífico sucesso da medicina em prolongar a vida humana, por um lado, e em aguentá-la quando esta ainda é incipiente, por outro, a superpopulação é cada vez mais uma realidade palpável.
A quantidade rapidamente crescente da população pesa cada vez mais sobre os recursos naturais. Cerca de três mil milhões de seres humanos exigem actualmente dos seus governos o provimento de boas condições de vida. A pressão do crescimento demográfico e dos progressos tecnológicos levarão a um incremento dos processos organizativos, que terá reflexo na legislação que rege as comunidades. Certamente que as Constituições e as leis de defesa do cidadão não serão abolidas, mas serão subordinadas às novas realidades tendo em vista o funcionamento regular das instituições de cada país.
Quando a vida económica de uma nação se torna periclitante, compete ao Governo encontrar soluções para enfrentar essa situação crítica, impondo restrições aos seus governados; ora isto traz como consequência um clima de intranquilidade política ou mesmo rebelião declarada, ao qual as autoridades respondem com medidas visando salvaguardar a ordem pública e a sua própria existência, concentrando cada vez mais poder e, finalmente, ainda que não o tenham procurado, tomam-lhe o gosto. São as Constituições democráticas que impedem que demasiado poder se concentre em poucas mãos, mas em qualquer sociedade em que a população começou a exercer intensa pressão sobre os recursos disponíveis, surgem inevitavelmente tentações de governo totalitário.
Assim, a superpopulação conduz à insegurança económica e à intranquilidade social que, por sua vez, levam a um maior controlo governativo e a uma maior concentração do seu poder. Quando os sistemas democráticos são fracos, a tendência é para se instalar um governo ditatorial, conforme tem sido abundantemente demonstrado pela História. No entanto, observando os países ocidentais em que democracia e liberdade constituem património colectivo e que, altamente industrializados, são obrigados a sustentar uma população muito maior do que a que seria possível a partir dos recursos naturais disponíveis, a viragem para um regime totalitário com a consequente centralização económica no Estado ou numa oligarquia, iria quebrar as actuais relações de produção que, mal ou bem, têm vindo a servir de suporte a um bem-estar de modo geral superior ao do resto do globo. Além disso, para a sua própria manutenção, o totalitarismo necessita de subjugar as populações mantendo-as num estado de tensão permanente, o qual, por seu turno, não é favorável ao desenvolvimento económico, já que desvia o esforço das pessoas concentrando-o na sobrevivência individual ao invés de o concentrar na busca de maior conforto para as suas vidas.
Deste modo, o corolário lógico da vivência que nos alvores do séc. XXI é a existente no mundo ocidental e que, inevitavelmente, tem tendência a propagar-se a nível global por constituir sinónimo de invejável sucesso – ainda que esse sucesso tenha sido conseguido à custa dos países menos desenvolvidos, fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra barata –, não poderá ser uma qualquer forma de totalitarismo que iria pôr em causa uma globalização económica paulatinamente construída desde o final da guerra-fria.
Tem maiores probabilidades de ser tal como foi descrito no capítulo anterior: um capitalismo desenfreado que exauriu por completo os recursos do planeta Terra e que vê os cidadãos apenas e só como consumidores compulsivos que desenvolvem os maiores esforços para tudo adquirirem. Em que o desenvolvimento industrial deixou de ter como objectivo o incremento do bem-estar das populações para passar a perseguir a criação de novos produtos mais vendáveis que os anteriores, subordinado às directrizes das agências de publicidade tornadas todo-poderosas. Em que os governos têm apenas uma função decorativa, subordinados aos ditames dos presidentes das companhias publicitárias que almejam antes de tudo o aumento dos seus lucros.
CONTINUA
15 novembro, 2005
Duarte Gomes Solis - Discursos sobre los Comércios de las Índias
A maior contradição que Solis procura demonstrar nesta obra é um Império disfraçado en la apariencia, faltando en el la sustancia.Critica ferozmente a mentalidade ibérica, demasiado religiosa e conservadora em relação ao comércio, e o desprezo votado pela elite governante em relação aos mercadores, contrariamente o que acontece com venezianos, genoveses ou holandeses e ingleses . Acresce que para piorar a crise ibérica, a Fazenda-Real é gerida por pessoas não ilustradas no comércio , e que apenas uma junta de ricos comerciantes, preparados por possuírem um conhecimento profundo da economia, poderá contornar a crise . Por outro lado defende a minoria religiosa judaica, advertindo que os judeus ibéricos, detentores do grande capital financeiro, ao serem perseguidos ajudam venezianos e turcos , e como contraponto à perseguição que lhe é feita em todo o império filipino, apresenta a liberalidade holandesa que os sabe aproveitar e tomar partido das suas redes comerciais e de conhecimento.
Nesta análise tão profunda ao império filipino, Solis revolta-se através das suas palavras contra os nobres, os verdadeiros inimigos dos mercadores, a quem pedem empréstimos, e a quem denunciam de falsos cristãos quando não são socorridos, e que utilizam a origem judaica para usurparem os seus bens .
Utilizando um ditado de época “ a um Mercador-Cavaleiro não fies o teu dinheiro e de um Cavaleiro-Mercador guarda-te”, Duarte Gomes Solis dá a estucada final dizendo que se os Cavaleiros fossem Mercadores, puderia a Espanha e Portugal triunfar, na medida em que seria melhor para o Rei que o seu Reino fosse rico e Cavaleiros ricos Mercadores, e que dessa forma teria a Península Ibérica capacidade para gerir a Índia à semelhança dos Holandeses, que seguindo o principio Cavaleiro-Mercador ofereciam melhor comércio tanto a chineses como a japoneses, que siendo enemigos por naturaleza, y contra voluntad de sus Reyes, y a’riesgo de que siendo hallados seran luego Castigados: pero la codicia que tambien por su modo es maestra de todas las artes los amistò, y domesticò para los traer a sueldo, y no quiera Dios que se vean señores de la mar, y de la Índia, porque daran buelta en sus mercancias, de que se sabran aprouechar como mercaderes, y Capitanes .
Com estas palavras inflamadas de tom profético terminamos o nosso artigo. O Discurso sobre los Comércios de las Índias seria publicado em 1622, e o seu autor, Duarte Gomes Solis faleceria dez anos depois em 1632, deixando-nos nas suas palavras a visão densa e rica em pormenores da mentalidade de um arbitrista português seiscentista.
Passados quase quatro séculos, os nossos governantes continuam a acentuar a nossa decadência, demasiado ocupados em picardias inúteis e colocando em segundo plano projectos viáveis. A nossa sociedade continua a perseguir os úteis protegendo os inúteis, e apesar de estarmos em pleno século XXI continuamos com as mesmas raízes mediévicas... Todos os dias imolam a nossa inteligência com palavras criminosas... Como costuma dizer um amigo meu:
Portugal é um país de agricultores...
Os que podem cavam daqui.
Os que não podem são aqui cavados.
Os que ficam... são os nabos.
Aqui fica o apelo, deixemo-nos de vãs melancolias e aproveitemos o material humano que nos devia honrar cá dentro, e não o deixemos escapara para fora...
Nesta análise tão profunda ao império filipino, Solis revolta-se através das suas palavras contra os nobres, os verdadeiros inimigos dos mercadores, a quem pedem empréstimos, e a quem denunciam de falsos cristãos quando não são socorridos, e que utilizam a origem judaica para usurparem os seus bens .
Utilizando um ditado de época “ a um Mercador-Cavaleiro não fies o teu dinheiro e de um Cavaleiro-Mercador guarda-te”, Duarte Gomes Solis dá a estucada final dizendo que se os Cavaleiros fossem Mercadores, puderia a Espanha e Portugal triunfar, na medida em que seria melhor para o Rei que o seu Reino fosse rico e Cavaleiros ricos Mercadores, e que dessa forma teria a Península Ibérica capacidade para gerir a Índia à semelhança dos Holandeses, que seguindo o principio Cavaleiro-Mercador ofereciam melhor comércio tanto a chineses como a japoneses, que siendo enemigos por naturaleza, y contra voluntad de sus Reyes, y a’riesgo de que siendo hallados seran luego Castigados: pero la codicia que tambien por su modo es maestra de todas las artes los amistò, y domesticò para los traer a sueldo, y no quiera Dios que se vean señores de la mar, y de la Índia, porque daran buelta en sus mercancias, de que se sabran aprouechar como mercaderes, y Capitanes .
Com estas palavras inflamadas de tom profético terminamos o nosso artigo. O Discurso sobre los Comércios de las Índias seria publicado em 1622, e o seu autor, Duarte Gomes Solis faleceria dez anos depois em 1632, deixando-nos nas suas palavras a visão densa e rica em pormenores da mentalidade de um arbitrista português seiscentista.
Passados quase quatro séculos, os nossos governantes continuam a acentuar a nossa decadência, demasiado ocupados em picardias inúteis e colocando em segundo plano projectos viáveis. A nossa sociedade continua a perseguir os úteis protegendo os inúteis, e apesar de estarmos em pleno século XXI continuamos com as mesmas raízes mediévicas... Todos os dias imolam a nossa inteligência com palavras criminosas... Como costuma dizer um amigo meu:
Portugal é um país de agricultores...
Os que podem cavam daqui.
Os que não podem são aqui cavados.
Os que ficam... são os nabos.
Aqui fica o apelo, deixemo-nos de vãs melancolias e aproveitemos o material humano que nos devia honrar cá dentro, e não o deixemos escapara para fora...
11 novembro, 2005
Uniformização da sociedade
(continuação)
Para se atingir este estádio em que a população sente a necessidade e é compelida a consumir, há que modificar o seu comportamento desgarrado e torná-lo uniforme e previsível. A solução não é nova, tendo já sido testada – e por algum tempo conseguida – pelos regimes totalitários do séc. XX: nazismo e estalinismo. Em ambos os casos, procedeu-se a um redireccionamento da sociedade, alterando os seus padrões comportamentais através da repressão e, sobretudo, da propaganda.
Como George Orwell demonstrou em 1984 a propaganda é o método mais eficaz de influenciar a opinião pública, desde que se controlem os meios emissores. E a propaganda serve os mais diversos fins, desde a publicidade comercial comummente aceite até à mobilização de massas com objectivos políticos.
Neste contexto surge como paradigmática a história do Instituto para a Análise Propagandística (Institute for Propaganda Analysis), criado em 1937 nos Estados Unidos, numa altura em que a propaganda nazi atingia o seu auge.[1] Tinha por missão efectuar uma análise da propaganda não racional com preparação de vários textos para estudantes liceais e universitários. Veio então a II Guerra Mundial, uma guerra total em todas as frentes, desde a frente de combate até ao conflito surdo, mas não menos determinante, pela posse de informações estratégicas e pelo ludibriar dos esforços inimigos na sua obtenção, além da acção psicológica levada a efeito quer para levantar o moral das próprias populações quer para desmoralizar as populações inimigas. Assim sendo, analisar a propaganda emitida tornara-se contraproducente em relação ao esforço de guerra e o Instituto seria encerrado em 1941.
Contudo, ainda antes do começo da guerra, já muitos sectores punham profundas objecções à sua actividade. Muitos educadores desaprovavam que se ensinasse a analisar a propaganda, por considerarem que isso tornaria os educandos indevidamente cínicos. As autoridades militares também não viam com bons olhos a análise propagandística, por recearem que os soldados começassem a examinar melhor as ordens dos sargentos instrutores. A grande maioria dos religiosos também era contra, considerando que tendia a enfraquecer a fé e a afastar as pessoas dos cultos. Os publicitários, por seu lado, opunham-se veementemente a que se analisasse a propaganda pois podia minar a fidelidade à marca e a reduzir as vendas.
Não serão de surpreender estas reacções “alérgicas” quando se falava de analisar a propaganda. Um exame demasiado pormenorizado, levado a cabo pelas pessoas, daquilo que é dito pelos seus líderes, sejam políticos, militares ou religiosos, poderia tornar-se extremamente subversivo. A ordem social depende, para a sua manutenção, da aceitação sem demasiadas questões embaraçosas da propaganda posta a circular pelas autoridades, embora seja de evitar uma postura acrítica perante as informações veiculadas.No entanto, faltará ainda o catalisador que terá a função de impelir a profundas modificações na ordem social vigente de modo a torná-la uniforme e previsível. Tanto em 1984 de George Orwell como em Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, como em muitas outras obras que descrevem uma sociedade futura[2], o catalisador é uma guerra ou, melhor dizendo, uma última Grande Guerra, imensamente mais aniquiladora que todas as anteriores, de tal forma que produz um profundo impacto na mente das populações, criando terreno fértil para a aceitação de uma nova ordem social.
CONTINUA
[1] Cf. Aldous Huxley, Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, Livros do Brasil, 2001
[2] Cf. Richard Osborne, Homem Demolidor, Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1993, colec. Ficção Científica, n. 203. Adaptação do argumento do filme com o mesmo título, protagonizado por Sylvester Stallone e Wesley Snipes, em que se descreve um mundo após uma guerra global com elevadíssimos custos em vidas humanas e na destruição da propriedade e das instituições, do qual emerge uma sociedade absolutamente pacífica em que as pessoas ficam simplesmente nauseadas com a mais leve sugestão de violência.
Para se atingir este estádio em que a população sente a necessidade e é compelida a consumir, há que modificar o seu comportamento desgarrado e torná-lo uniforme e previsível. A solução não é nova, tendo já sido testada – e por algum tempo conseguida – pelos regimes totalitários do séc. XX: nazismo e estalinismo. Em ambos os casos, procedeu-se a um redireccionamento da sociedade, alterando os seus padrões comportamentais através da repressão e, sobretudo, da propaganda.
Como George Orwell demonstrou em 1984 a propaganda é o método mais eficaz de influenciar a opinião pública, desde que se controlem os meios emissores. E a propaganda serve os mais diversos fins, desde a publicidade comercial comummente aceite até à mobilização de massas com objectivos políticos.
Neste contexto surge como paradigmática a história do Instituto para a Análise Propagandística (Institute for Propaganda Analysis), criado em 1937 nos Estados Unidos, numa altura em que a propaganda nazi atingia o seu auge.[1] Tinha por missão efectuar uma análise da propaganda não racional com preparação de vários textos para estudantes liceais e universitários. Veio então a II Guerra Mundial, uma guerra total em todas as frentes, desde a frente de combate até ao conflito surdo, mas não menos determinante, pela posse de informações estratégicas e pelo ludibriar dos esforços inimigos na sua obtenção, além da acção psicológica levada a efeito quer para levantar o moral das próprias populações quer para desmoralizar as populações inimigas. Assim sendo, analisar a propaganda emitida tornara-se contraproducente em relação ao esforço de guerra e o Instituto seria encerrado em 1941.
Contudo, ainda antes do começo da guerra, já muitos sectores punham profundas objecções à sua actividade. Muitos educadores desaprovavam que se ensinasse a analisar a propaganda, por considerarem que isso tornaria os educandos indevidamente cínicos. As autoridades militares também não viam com bons olhos a análise propagandística, por recearem que os soldados começassem a examinar melhor as ordens dos sargentos instrutores. A grande maioria dos religiosos também era contra, considerando que tendia a enfraquecer a fé e a afastar as pessoas dos cultos. Os publicitários, por seu lado, opunham-se veementemente a que se analisasse a propaganda pois podia minar a fidelidade à marca e a reduzir as vendas.
Não serão de surpreender estas reacções “alérgicas” quando se falava de analisar a propaganda. Um exame demasiado pormenorizado, levado a cabo pelas pessoas, daquilo que é dito pelos seus líderes, sejam políticos, militares ou religiosos, poderia tornar-se extremamente subversivo. A ordem social depende, para a sua manutenção, da aceitação sem demasiadas questões embaraçosas da propaganda posta a circular pelas autoridades, embora seja de evitar uma postura acrítica perante as informações veiculadas.No entanto, faltará ainda o catalisador que terá a função de impelir a profundas modificações na ordem social vigente de modo a torná-la uniforme e previsível. Tanto em 1984 de George Orwell como em Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, como em muitas outras obras que descrevem uma sociedade futura[2], o catalisador é uma guerra ou, melhor dizendo, uma última Grande Guerra, imensamente mais aniquiladora que todas as anteriores, de tal forma que produz um profundo impacto na mente das populações, criando terreno fértil para a aceitação de uma nova ordem social.
CONTINUA
[1] Cf. Aldous Huxley, Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, Livros do Brasil, 2001
[2] Cf. Richard Osborne, Homem Demolidor, Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1993, colec. Ficção Científica, n. 203. Adaptação do argumento do filme com o mesmo título, protagonizado por Sylvester Stallone e Wesley Snipes, em que se descreve um mundo após uma guerra global com elevadíssimos custos em vidas humanas e na destruição da propriedade e das instituições, do qual emerge uma sociedade absolutamente pacífica em que as pessoas ficam simplesmente nauseadas com a mais leve sugestão de violência.
04 novembro, 2005
Portugal precisa de mim?!
Confesso que não estava nada à espera, mas foi essa a conclusão a que cheguei quando vi uns outdoors espalhados pelas avenidas de Lisboa.
O pior é que ninguém ainda me tinha dito nada e eu estava aqui descansado da minha vida, ocupado com os meus problemas, quando afinal o país (não a região, não o concelho, não a localidade, mas nem mais nem menos que o país inteiro) estava dependente da necessidade da minha pessoa.
Por um lado é um orgulho que um indivíduo sente em haver uma instituição como Portugal, com quase 900 anos de História, a ter assim tão grande precisão dos seus préstimos que se veja na obrigação de o anunciar de forma tão veemente. Não havia necessidade de tanto, bastava dar-me uma telefonadela.
Por outro lado, Portugal não refere concretamente em que é que eu o posso ajudar. Sou um simples cidadão, cumpridor das suas obrigações, votante e pagante de impostos, amável para com os vizinhos, carinhoso para com as crianças, respeitoso para com os idosos (e podia ir por aí fora a descrever qualidades), mas que tem uma esfera de acção limitada.
Assim, agradecia a Portugal que me informasse em que situação é que lhe posso ser útil, para que eu possa ver o que se pode arranjar.
Sem outro assunto, subscrevo-me com elevada estima e consideração.
O pior é que ninguém ainda me tinha dito nada e eu estava aqui descansado da minha vida, ocupado com os meus problemas, quando afinal o país (não a região, não o concelho, não a localidade, mas nem mais nem menos que o país inteiro) estava dependente da necessidade da minha pessoa.
Por um lado é um orgulho que um indivíduo sente em haver uma instituição como Portugal, com quase 900 anos de História, a ter assim tão grande precisão dos seus préstimos que se veja na obrigação de o anunciar de forma tão veemente. Não havia necessidade de tanto, bastava dar-me uma telefonadela.
Por outro lado, Portugal não refere concretamente em que é que eu o posso ajudar. Sou um simples cidadão, cumpridor das suas obrigações, votante e pagante de impostos, amável para com os vizinhos, carinhoso para com as crianças, respeitoso para com os idosos (e podia ir por aí fora a descrever qualidades), mas que tem uma esfera de acção limitada.
Assim, agradecia a Portugal que me informasse em que situação é que lhe posso ser útil, para que eu possa ver o que se pode arranjar.
Sem outro assunto, subscrevo-me com elevada estima e consideração.
26 outubro, 2005
Evolução para um capitalismo selvagem
[continuação]
Este “admirável mundo novo”, para citar o título da famosa obra de Aldous Huxley, será tudo menos admirável quando comparado ao actual. O capitalismo selvagem, de que tanto se fala actualmente como tendência que se quer evitável a todo o custo, tem aqui plena realização. As agências de publicidade dominam a sociedade a todos os níveis, determinando o comportamento humano. O planeta Terra já pouco pode oferecer de tão exaurido que foi. Impera a indiferença em relação a um provável colapso futuro devido à sobreexploração, existindo a convicção cega de que, caso necessário, a ciência poderá criar novos “recursos naturais” para substituir os que entretanto se forem esgotando. Desencorajando-se a leitura e proporcionando-se lares de ambiente deprimente, as pessoas são induzidas a consumir freneticamente para aliviar o tédio que sentem.
A água corrente nas torneiras é salgada, já que a escassez de água doce obriga a preços só compatíveis com os quadros superiores das grandes companhias de publicidade, os quais constituem os privilegiados – com um número da segurança social baixo, da ordem das dezenas de milhão, em relação à restante população, da ordem dos triliões – de uma sociedade com um excesso populacional dramático. Este excesso populacional levou a que o conceito de habitação se tenha tornado obsoleto: a multidão de empregados nos escritórios citadinos pernoita nos degraus das escadas dos arranha-céus, alugados em cada noite; o reduzido número de habitações que ainda é construído – e que constitui o sonho de uma vida para o comum dos cidadãos – não passa de uma fina estrutura de plástico pré-fabricado. Nos dormitórios existentes as camas nunca chegam a arrefecer, pois há um esquema rotativo de dormidas em que um utente é acordado pelo outro quando chega a vez de um de ocupar o leito e de outro o ceder.
Todos os produtos consumíveis pelo ser humano são conhecidos apenas pela sua designação comercial e contêm um alcalóide simples que produz habituação e uma necessidade específica de consumir outro produto da mesma marca. É assim que a uma oferta de cigarros surge a necessidade de fumar aquela marca específica, que, por sua vez, gera a necessidade de comer um chocolate daquela marca específica, que, por seu turno, faz pensar em consumir uma bebida daquela marca específica, originando o desejo de fumar novamente um cigarro daquela marca específica, repetindo o ciclo duas ou três vezes antes de chegar à saciedade. Além do alcalóide, os anúncios publicitários – tridimensionais, com projecção de visão-sabor-cheiro-audição-sensação directamente nos órgãos sensoriais humanos – cumprem também a função de fidelizar irrevogavelmente o consumidor às marcas, a ponto de este ao pensar em fumar um cigarro, comer um chocolate ou tomar uma bebida, repetir de forma reflexa a mensagem publicitária associada ao produto que está a consumir. Ingerir comida natural, como um assado nos moldes tradicionais, tornou-se um acto repugnante.
Continuam a existir trabalhadores não especializados que se encarregam das tarefas mais árduas, com contratos de trabalho vitalícios, na prática, já que embora tenham uma duração fixa, o trabalhador não pode abandonar a companhia sem pagar as dívidas que contrair; acrescente-se que todo o sistema está montado para que seja impossível não contrair dívidas, pois os produtos são vendidos a preços exorbitantes em relação à quantidade dos mesmos que é dispensada – escassa, que gera a necessidade de obtenção de nova dose – e ao salário que se recebe. De cada vez que se adquire um produto das inúmeras máquinas de venda automática, esse produto leva inexoravelmente ao consumo de outro, que, por sua vez, leva ao consumo de um outro e, como o crédito é extremamente facilitado, a dívida cresce de forma exponencial.
Todos os produtos são fabricados a partir de compostos sintéticos de substituição de elementos naturais agora esgotados na maior parte do planeta. Alguns deles viciam instantaneamente quer pelos alcalóides que contêm quer mediante a utilização de apelos publicitários em forma de projecções subliminares e subsónicas, sendo extremamente difícil, senão mesmo impossível, a revogação do hábito. A religião tornou-se acima de tudo um negócio extremamente lucrativo, dado o pequeno investimento necessário – pois fideliza o consumidor sem necessidade de recurso a sofisticadas tecnologias para vender o produto – e o comparativamente elevadíssimo lucro – resultante da devoção conseguida, que se traduz na compra obsessiva de todos os artigos com ela relacionados, e da consequente publicidade, a custo zero, do produto pelo consumidor.
As fábricas deixaram de ter filtros nas chaminés para retenção do enxofre e dos gases industriais, porque deixou de interessar proteger a saúde dos cidadãos uma vez que a morte era muito mais lucrativa: tornou-se mais barato pagar seguros de vida que pensões; os seguros de doença movimentam muito dinheiro, pois quem passou cinquenta anos da sua vida a respirar os fumos tóxicos sabe que irá estar doente grande parte do tempo e se morrer em pouco tempo, o lucro das seguradoras é quase total; as agências funerárias também levam o seu quinhão, obtendo elevados proventos na disposição dos mortos; e, por fim, quando o consumidor ultrapassa a idade de poder trabalhar, dispõe de muito pouco dinheiro para adquirir bens de consumo, pelo que deixa de ter utilidade.
Embora continuem a existir potências como os EUA, o Governo deixou de ser uma entidade com vontade própria, gerindo o país com maior ou menor sucesso, para se tornar o órgão que dá forma de lei aos interesses das grandes agências publicitárias, não mais que um banco central de influências. O Congresso é dominado indirectamente pelas companhias de publicidade, através dos congressistas que constam das respectivas folhas de pagamento e o Presidente, destronado do lugar de vértice da nação, tem de solicitar respeitosamente uma abertura nas preenchidas agendas dos delegados publicitários ao Congresso. A política, como nunca o fora até então, tornou-se um declarado campo de batalha das agências de publicidade, remetendo para plano secundário os candidatos – ensinados, vestidos, maquilhados, ensaiados e dirigidos – que mais não fazem que debitar apelos publicitários em formato de slogans políticos vazios de conteúdo. Também mais do que nunca os aspirantes a candidatos não faltavam, pois os políticos ganhavam quase tanto como um publicitário principiante, em termos de salário base, a que acresciam diversas avenças, abonos, consultorias e afins ao longo da carreira, fazendo ascender os proventos ao nível de um executivo publicitário médio; para todos os efeitos, era um importante salto da inferior condição social de consumidor para outra em que se detinham alguns privilégios.
A política externa americana, tal como a dos outros países desenvolvidos – em termos mercantis –, pauta-se pela mais ostensiva ingerência nos destinos dos escassos e ínfimos recantos da Terra, tradicionalmente mais atrasados, que ainda não tivessem optado por abraçar os benefícios da economia de mercado, isto é, que ainda não se tivessem constituído como mais um grupo de consumidores obedientes. Para isso, recorre-se, naturalmente, ao Exército, mas os métodos empregues diferem substancialmente; as metralhadoras e os canhões foram substituídos por projecções de visão-sabor-cheiro-audição-sensação, simplesmente químicas, subsónicas ou estridentes, mas sempre subliminares, dirigidas directamente aos órgãos sensoriais onde penetram à força e os soldados foram substituídos por técnicos de publicidade e abastecimento. Os resultados são tão satisfatórios que, logo depois de terminarem as campanhas militares, as populações visadas acorrem em massa aos pontos de abastecimento desejando adquirir e consumir produtos de que, horas antes, nunca tinham experimentado qualquer necessidade, lutando mesmo entre si para os conseguirem; líderes surgem nos noticiários televisivos fumando dois cigarros, bebendo uma chávena de café e entornando metade no fato novinho em folha, tudo das principais marcas comercializadas e também tudo no espaço de vinte segundos, agradecendo profusamente terem sido libertados da “escravidão” em que viviam antes.
É este o mundo em que o capitalismo selvagem impera. Todavia, poderá surgir a dúvida sobre se será realmente esta uma evolução de alguma forma inevitável. Será possível que se possa evoluir para um sistema totalitário nos moldes tradicionais, em que o Estado ou uma oligarquia concentram em si o comando exclusivo relativamente a todos os aspectos da vida do país? É possível mas não provável, pois a História tem demonstrado que os sistemas totalitários são incompatíveis com o desenvolvimento económico. Não terá sido por acaso que os regimes de ditadura militar da América Latina soçobraram ou que a “cortina de ferro” caiu; estes regimes chegaram a um ponto da sua existência em que não conseguiam dar resposta a uma movimentação de capitais muito mais intensa.
Referências: Frederik Pohl, C. M. Kornbluth, Os Mercadores do Espaço, Mem-Martins, João Miguel Carvalho (trad.), Publ. Europa-América, 1952, colec. Ficção Científica, n. 137; Frederik Pohl, C. M. Kornbluth, A Guerra dos Mercadores, Olga Fonseca (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1984, colec. Ficção Científica, n. 138; Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Gradiva, s.d.
Este “admirável mundo novo”, para citar o título da famosa obra de Aldous Huxley, será tudo menos admirável quando comparado ao actual. O capitalismo selvagem, de que tanto se fala actualmente como tendência que se quer evitável a todo o custo, tem aqui plena realização. As agências de publicidade dominam a sociedade a todos os níveis, determinando o comportamento humano. O planeta Terra já pouco pode oferecer de tão exaurido que foi. Impera a indiferença em relação a um provável colapso futuro devido à sobreexploração, existindo a convicção cega de que, caso necessário, a ciência poderá criar novos “recursos naturais” para substituir os que entretanto se forem esgotando. Desencorajando-se a leitura e proporcionando-se lares de ambiente deprimente, as pessoas são induzidas a consumir freneticamente para aliviar o tédio que sentem.
A água corrente nas torneiras é salgada, já que a escassez de água doce obriga a preços só compatíveis com os quadros superiores das grandes companhias de publicidade, os quais constituem os privilegiados – com um número da segurança social baixo, da ordem das dezenas de milhão, em relação à restante população, da ordem dos triliões – de uma sociedade com um excesso populacional dramático. Este excesso populacional levou a que o conceito de habitação se tenha tornado obsoleto: a multidão de empregados nos escritórios citadinos pernoita nos degraus das escadas dos arranha-céus, alugados em cada noite; o reduzido número de habitações que ainda é construído – e que constitui o sonho de uma vida para o comum dos cidadãos – não passa de uma fina estrutura de plástico pré-fabricado. Nos dormitórios existentes as camas nunca chegam a arrefecer, pois há um esquema rotativo de dormidas em que um utente é acordado pelo outro quando chega a vez de um de ocupar o leito e de outro o ceder.
Todos os produtos consumíveis pelo ser humano são conhecidos apenas pela sua designação comercial e contêm um alcalóide simples que produz habituação e uma necessidade específica de consumir outro produto da mesma marca. É assim que a uma oferta de cigarros surge a necessidade de fumar aquela marca específica, que, por sua vez, gera a necessidade de comer um chocolate daquela marca específica, que, por seu turno, faz pensar em consumir uma bebida daquela marca específica, originando o desejo de fumar novamente um cigarro daquela marca específica, repetindo o ciclo duas ou três vezes antes de chegar à saciedade. Além do alcalóide, os anúncios publicitários – tridimensionais, com projecção de visão-sabor-cheiro-audição-sensação directamente nos órgãos sensoriais humanos – cumprem também a função de fidelizar irrevogavelmente o consumidor às marcas, a ponto de este ao pensar em fumar um cigarro, comer um chocolate ou tomar uma bebida, repetir de forma reflexa a mensagem publicitária associada ao produto que está a consumir. Ingerir comida natural, como um assado nos moldes tradicionais, tornou-se um acto repugnante.
Continuam a existir trabalhadores não especializados que se encarregam das tarefas mais árduas, com contratos de trabalho vitalícios, na prática, já que embora tenham uma duração fixa, o trabalhador não pode abandonar a companhia sem pagar as dívidas que contrair; acrescente-se que todo o sistema está montado para que seja impossível não contrair dívidas, pois os produtos são vendidos a preços exorbitantes em relação à quantidade dos mesmos que é dispensada – escassa, que gera a necessidade de obtenção de nova dose – e ao salário que se recebe. De cada vez que se adquire um produto das inúmeras máquinas de venda automática, esse produto leva inexoravelmente ao consumo de outro, que, por sua vez, leva ao consumo de um outro e, como o crédito é extremamente facilitado, a dívida cresce de forma exponencial.
Todos os produtos são fabricados a partir de compostos sintéticos de substituição de elementos naturais agora esgotados na maior parte do planeta. Alguns deles viciam instantaneamente quer pelos alcalóides que contêm quer mediante a utilização de apelos publicitários em forma de projecções subliminares e subsónicas, sendo extremamente difícil, senão mesmo impossível, a revogação do hábito. A religião tornou-se acima de tudo um negócio extremamente lucrativo, dado o pequeno investimento necessário – pois fideliza o consumidor sem necessidade de recurso a sofisticadas tecnologias para vender o produto – e o comparativamente elevadíssimo lucro – resultante da devoção conseguida, que se traduz na compra obsessiva de todos os artigos com ela relacionados, e da consequente publicidade, a custo zero, do produto pelo consumidor.
As fábricas deixaram de ter filtros nas chaminés para retenção do enxofre e dos gases industriais, porque deixou de interessar proteger a saúde dos cidadãos uma vez que a morte era muito mais lucrativa: tornou-se mais barato pagar seguros de vida que pensões; os seguros de doença movimentam muito dinheiro, pois quem passou cinquenta anos da sua vida a respirar os fumos tóxicos sabe que irá estar doente grande parte do tempo e se morrer em pouco tempo, o lucro das seguradoras é quase total; as agências funerárias também levam o seu quinhão, obtendo elevados proventos na disposição dos mortos; e, por fim, quando o consumidor ultrapassa a idade de poder trabalhar, dispõe de muito pouco dinheiro para adquirir bens de consumo, pelo que deixa de ter utilidade.
Embora continuem a existir potências como os EUA, o Governo deixou de ser uma entidade com vontade própria, gerindo o país com maior ou menor sucesso, para se tornar o órgão que dá forma de lei aos interesses das grandes agências publicitárias, não mais que um banco central de influências. O Congresso é dominado indirectamente pelas companhias de publicidade, através dos congressistas que constam das respectivas folhas de pagamento e o Presidente, destronado do lugar de vértice da nação, tem de solicitar respeitosamente uma abertura nas preenchidas agendas dos delegados publicitários ao Congresso. A política, como nunca o fora até então, tornou-se um declarado campo de batalha das agências de publicidade, remetendo para plano secundário os candidatos – ensinados, vestidos, maquilhados, ensaiados e dirigidos – que mais não fazem que debitar apelos publicitários em formato de slogans políticos vazios de conteúdo. Também mais do que nunca os aspirantes a candidatos não faltavam, pois os políticos ganhavam quase tanto como um publicitário principiante, em termos de salário base, a que acresciam diversas avenças, abonos, consultorias e afins ao longo da carreira, fazendo ascender os proventos ao nível de um executivo publicitário médio; para todos os efeitos, era um importante salto da inferior condição social de consumidor para outra em que se detinham alguns privilégios.
A política externa americana, tal como a dos outros países desenvolvidos – em termos mercantis –, pauta-se pela mais ostensiva ingerência nos destinos dos escassos e ínfimos recantos da Terra, tradicionalmente mais atrasados, que ainda não tivessem optado por abraçar os benefícios da economia de mercado, isto é, que ainda não se tivessem constituído como mais um grupo de consumidores obedientes. Para isso, recorre-se, naturalmente, ao Exército, mas os métodos empregues diferem substancialmente; as metralhadoras e os canhões foram substituídos por projecções de visão-sabor-cheiro-audição-sensação, simplesmente químicas, subsónicas ou estridentes, mas sempre subliminares, dirigidas directamente aos órgãos sensoriais onde penetram à força e os soldados foram substituídos por técnicos de publicidade e abastecimento. Os resultados são tão satisfatórios que, logo depois de terminarem as campanhas militares, as populações visadas acorrem em massa aos pontos de abastecimento desejando adquirir e consumir produtos de que, horas antes, nunca tinham experimentado qualquer necessidade, lutando mesmo entre si para os conseguirem; líderes surgem nos noticiários televisivos fumando dois cigarros, bebendo uma chávena de café e entornando metade no fato novinho em folha, tudo das principais marcas comercializadas e também tudo no espaço de vinte segundos, agradecendo profusamente terem sido libertados da “escravidão” em que viviam antes.
É este o mundo em que o capitalismo selvagem impera. Todavia, poderá surgir a dúvida sobre se será realmente esta uma evolução de alguma forma inevitável. Será possível que se possa evoluir para um sistema totalitário nos moldes tradicionais, em que o Estado ou uma oligarquia concentram em si o comando exclusivo relativamente a todos os aspectos da vida do país? É possível mas não provável, pois a História tem demonstrado que os sistemas totalitários são incompatíveis com o desenvolvimento económico. Não terá sido por acaso que os regimes de ditadura militar da América Latina soçobraram ou que a “cortina de ferro” caiu; estes regimes chegaram a um ponto da sua existência em que não conseguiam dar resposta a uma movimentação de capitais muito mais intensa.
Referências: Frederik Pohl, C. M. Kornbluth, Os Mercadores do Espaço, Mem-Martins, João Miguel Carvalho (trad.), Publ. Europa-América, 1952, colec. Ficção Científica, n. 137; Frederik Pohl, C. M. Kornbluth, A Guerra dos Mercadores, Olga Fonseca (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1984, colec. Ficção Científica, n. 138; Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Gradiva, s.d.
09 outubro, 2005
A imagem portuguesa da Índia
Há dois anos, quando entrevistei o embaixador português na Índia para o meu Supergoa.com, ele queixava-se com certa razão de que "os portugueses ainda têm a imagem da Índia do encantador de serpentes". Concordo, mas acho que o problema é capaz de ser outro. Não há imagem nenhuma da Índia.
É verdade, as miúdas que andam lá na minha faculdade na Avenida de Berna de dia e que polvilham as ruelas do Bairro Alto de noite (ou será ao contrário?) já andam de mochila, saia e blusa indiana. É verdade, a média de 600 turistas portugueses que visitavam Goa (para não falar da Índia) anualmente nos anos 90, subiu e passou para alguns poucos milhares. Poucos, sublinhe-se. E é verdade, já não só os saudosistas, salazaristas e militares a falar da distante Índia. Agora, simplesmente, ninguém fala da Índia.
Mas, no fundo, a Índia continua a ser uma imensa mancha negra no mapa-mundo português. Eu notei isso quando anunciava que lá ia, há um ano, em meados de 2004. Houve reacções de oposição e de encorajamento, mas, na sua grande maioria, as pessoas dedicaram-me uma expressão facial interrogativa enorme e desesperada. Não sabiam o que dizer. Hesitavam. Alguns refugiavam-se no discurso rebelde de que "só faz é bem, ir lá para fora", incluindo a imensidão indiana no saco-cabe-tudo do "lá fora". Outros perguntavam-me se continuaria a estar acessível por e-mail.
A Índia continua assim refém do que eu chamaria "um fosso geracional". Os mais velhos, que por lá andaram nos anos 50, filhos do Império português (que interessantemente, segundo uma tese a publicar por Francisco Bethencourt, no King's College London, nunca terá existido) estão em vias de desaparecimento, para além de estarem conotados com sectores conservadores pouco na moda. Uma geração intermédia tem claramente mais que fazer, legitimamente ou não concentrada e orientada para Bruxelas, e vive também sob o manto do trauma colonial. Finalmente, os mais novos, especialmente a geração sub-30, tende a perguntar-me como é que está a construção da barragem e a preservação das gravuras rupestres quando lhes falo em Goa. Há que redescobrir a Índia, parece-me.
Perdoem-me o meu tom que pode parecer censurador. Mas eu mesmo hesito muitas vezes. Fazem-me crer que sou um Fernão Mendes Pinto do século XXI, mas na realidade não sou mais do que um estudante internacional em mobilidade. Mobilidade contra a corrente? Nem por isso. Uns 3000 km acima de nós a maioria dos escandinavos tiram pelo menos um ano depois do secundário para viajarem pelo mundo não-ocidental ou para fazerem estágios no apoio ao desenvolvimento nos países que muitos dos meus colegas chamariam "os mais encavados". Nova Deli capital terceiro-mundista? Nem por isso. O que iriam para lá fazer tantos chefes-de-estado nestes últimos meses, a não ser negociar contratos de investimento, aumento de "green cards", programas de intercâmbio e pacotes de armamento?
Algo está a mudar. Eu nem proponho a discussão sobre como nos devemos relacionar com o que há de novo a Oriente. Sugiro, simplesmente, que se começe por reconhecer que há algo de novo. Esse é o primeiro passo. Conhecer, partir pedra, seja pela leitura ou pela deslocação física. Quebrar os conceitos e as fronteiras geográficas e mentais que ainda aprisionam a visão do mundo portuguesa. Que Portugal se oriente novamente, autonomamente.
Mas há mudança. Contrastando com o enorme vácuo de há um ano, as pessoas que me encontram agora já dizem algumas banalidades. Normalmente comentam que a Índia "tá em grande nas tecnologias da informação e nos computadores e nisso tudo", claro que nunca deixando de fora o comentário mais ou menos jocoso (depende se estou no Rogel saloio com o meu mecânico ou com um licenciado em Lisboa) que "eles também são mais que as mães / são marrões / são inteligentes e trabalhadores". E o comentário bónus é sobre a questão militar porque "eles têm capacidade nuclear" e depois vêm umas palavras complicadas como "proliferação" ou banais como "ainda nos caem as bombas na cabeça".
E há também leve mudança porque vejo que entre as gerações mais novas de portugueses – mesmo que décadas em atraso comparativamente às suas congéneres europeias – já há mais pessoas a abrir os olhos e a fazer as malas, explorando as manchas negras do nosso mapa-mundo que em tempos foi o melhor do planeta.
Adaptação de texto original em http://avidaemdeli.blogspot.com
É verdade, as miúdas que andam lá na minha faculdade na Avenida de Berna de dia e que polvilham as ruelas do Bairro Alto de noite (ou será ao contrário?) já andam de mochila, saia e blusa indiana. É verdade, a média de 600 turistas portugueses que visitavam Goa (para não falar da Índia) anualmente nos anos 90, subiu e passou para alguns poucos milhares. Poucos, sublinhe-se. E é verdade, já não só os saudosistas, salazaristas e militares a falar da distante Índia. Agora, simplesmente, ninguém fala da Índia.
Mas, no fundo, a Índia continua a ser uma imensa mancha negra no mapa-mundo português. Eu notei isso quando anunciava que lá ia, há um ano, em meados de 2004. Houve reacções de oposição e de encorajamento, mas, na sua grande maioria, as pessoas dedicaram-me uma expressão facial interrogativa enorme e desesperada. Não sabiam o que dizer. Hesitavam. Alguns refugiavam-se no discurso rebelde de que "só faz é bem, ir lá para fora", incluindo a imensidão indiana no saco-cabe-tudo do "lá fora". Outros perguntavam-me se continuaria a estar acessível por e-mail.
A Índia continua assim refém do que eu chamaria "um fosso geracional". Os mais velhos, que por lá andaram nos anos 50, filhos do Império português (que interessantemente, segundo uma tese a publicar por Francisco Bethencourt, no King's College London, nunca terá existido) estão em vias de desaparecimento, para além de estarem conotados com sectores conservadores pouco na moda. Uma geração intermédia tem claramente mais que fazer, legitimamente ou não concentrada e orientada para Bruxelas, e vive também sob o manto do trauma colonial. Finalmente, os mais novos, especialmente a geração sub-30, tende a perguntar-me como é que está a construção da barragem e a preservação das gravuras rupestres quando lhes falo em Goa. Há que redescobrir a Índia, parece-me.
Perdoem-me o meu tom que pode parecer censurador. Mas eu mesmo hesito muitas vezes. Fazem-me crer que sou um Fernão Mendes Pinto do século XXI, mas na realidade não sou mais do que um estudante internacional em mobilidade. Mobilidade contra a corrente? Nem por isso. Uns 3000 km acima de nós a maioria dos escandinavos tiram pelo menos um ano depois do secundário para viajarem pelo mundo não-ocidental ou para fazerem estágios no apoio ao desenvolvimento nos países que muitos dos meus colegas chamariam "os mais encavados". Nova Deli capital terceiro-mundista? Nem por isso. O que iriam para lá fazer tantos chefes-de-estado nestes últimos meses, a não ser negociar contratos de investimento, aumento de "green cards", programas de intercâmbio e pacotes de armamento?
Algo está a mudar. Eu nem proponho a discussão sobre como nos devemos relacionar com o que há de novo a Oriente. Sugiro, simplesmente, que se começe por reconhecer que há algo de novo. Esse é o primeiro passo. Conhecer, partir pedra, seja pela leitura ou pela deslocação física. Quebrar os conceitos e as fronteiras geográficas e mentais que ainda aprisionam a visão do mundo portuguesa. Que Portugal se oriente novamente, autonomamente.
Mas há mudança. Contrastando com o enorme vácuo de há um ano, as pessoas que me encontram agora já dizem algumas banalidades. Normalmente comentam que a Índia "tá em grande nas tecnologias da informação e nos computadores e nisso tudo", claro que nunca deixando de fora o comentário mais ou menos jocoso (depende se estou no Rogel saloio com o meu mecânico ou com um licenciado em Lisboa) que "eles também são mais que as mães / são marrões / são inteligentes e trabalhadores". E o comentário bónus é sobre a questão militar porque "eles têm capacidade nuclear" e depois vêm umas palavras complicadas como "proliferação" ou banais como "ainda nos caem as bombas na cabeça".
E há também leve mudança porque vejo que entre as gerações mais novas de portugueses – mesmo que décadas em atraso comparativamente às suas congéneres europeias – já há mais pessoas a abrir os olhos e a fazer as malas, explorando as manchas negras do nosso mapa-mundo que em tempos foi o melhor do planeta.
Adaptação de texto original em http://avidaemdeli.blogspot.com
23 setembro, 2005
Histórias que merecem ser contadas
Estou no norte, onde, depois de um revigorante ano no Brasil, conto trabalhar. Estou nos arredores do Porto e para lá me dirijo bastas vezes. Confesso que fiquei estupefacto ao verificar que duas ruas, uma em S. Mamede de Infesta, Matosinhos, mesmo a chegar à famosa "circumbalaçón" (circunvalação), exactamente até à placa que faz "fronteira" com o Porto, Narciso Miranda encheu-se de bondade e resolveu presentear o povo com obras na estrada. A outra, bem perto do Mosteiro de Leça do Balio, e xactamente nas trazeiras da Feira e Santana, o Presidente da Câmara da Maia, que sucedeu a Vieira de Carvalho, e que, confesso, não lhe sei o nome, também resolveu mostrar o que vale! Fantástico. Durante anos fui assíduo rolador dessas duas estradas e já lhes conhecia as manhas todas. Como tal eram-me quase indiferentes os familiares buracos. Ou seja, se fizeram aquilo para eu votar neles, podem estar descansados, que por mim os buraquitos e desníveis podiam lá continuar.
O mais engraçado é que a obra de Narciso acaba exactamente na placa que diz S. Mamede de Infesta, ou seja, os votos do lado de lá como já não contam, ficam 100 metros de estrada para Rui Rio ou o "herói de Felgueiras" concertarem.
A propósito, e para terminar, vai uma anedota: a Fátima Felgueiras esteve dois anos no Brasil e a uns dias das eleições regressa!!!!!!!!!!!!!! Ainda há quem diga que isto não é uma anedota!
Desculpem a temática mas há histórias que não devem deixar de ser contadas.
16 setembro, 2005
A Cor da Pele entre o ontem e o amanhã
Se as farsas vicentinas se referiam a lutas entre o forte e o fraco, o bom e o mau, o pobre e o rico, o oprimido e o opressor, temas tão em voga nos principais editoriais jornalísticos do nosso tempo; temáticas outras estariam, devido à sua especificidade conjuntural, apenas em voga no “editoriais” de então.
Temáticas como a vila e a cidade, a vila e o castelo, primogenitura ou pobreza, escravatura ou alforria, parecer-nos-ão obsoletos, irreais, sem razão de ser. Talvez no mundo contemporâneo assim seja, ou assim permaneça hipocritamente escondido.
Na transição mediévico-renascentista, em Portugal, as pessoas circulavam entre o campo e a vagabundagem; o direito de primogenitura marginalizava unidades familiares; o rei, o aparelho eclesiástico e nobiliárquico, sufocavam com os seus impostos o homem rural e o homem citadino; a bondade aliava-se à estupidez enquanto a inteligência à desconfiança, ao engano e à falsa inocência.
A moral e o respeito não levavam a lugar algum, e o embuste era a salvação e o subterfúgio num mundo cruel e implacável, onde a “Leis das Espécies” assentava como uma luva.
Não se pense que as peças vicentinas reflectem apenas a comicidade, de facto eram bem metafóricas, espelhavam uma crueldade sufocante.
Inicialmente, estas “narrativas abertas”, nas quais Gil Vicente se inspirou, não procuravam criar ilusões sobre o altruísmo dos semelhantes, concedia-lhes estratégias de defesa, onde os valores morais não tinham grande importância já que Deus tratava os seus subordinados com manifestas distinções, às quais, só a morte lhes poria cobro.
Nas três farsas vicentinas em que se foca o Negro, deparamo-nos com uma anátema de valores, a defesa de anti-valores. Se na farsa “Frágua de Amor” são utilizadas ajudas sobrenaturais, era porque a realidade era mais implacável e sem misericórdia. Se no “Clérigo da Beira”, grande parte do conto se passa nas estradas era porque o direito de primogeneitura obrigava o excedente populacional a vaguear sem destino especializando-se em actividades como o roubo e o engano. O negro que aqui aparece é um bom exemplo disso, uma vez forro, apenas subsiste ludibriando os mais “inocentes”. Poder-se-á fazer uma segunda interpretação: será que um negro forro saberá governar-se? Não se comportará ele como uma criança pequena, que sem pai (o dono), só faz traquinices?
Se na farsa “Nau dos Amores” é dada às diferentes personagens-tipo a oportunidade de concretizarem as suas projecções amorosas, o negro acaba por ser marginalizado pelos próprios excluídos sociais, o que nos leva a depreender que o seu lugar na própria sociedade é colocado em causa, sendo-lhe atribuída uma condição subsocial.
Nas farsas vicentinas até o sonho era imbuído de realidade, e os mais pobres eram porém os mais cépticos em relação às formas de escapar à sua condição, uma vez que as estratificações sociais, devidamente impermeabilizadas, impediam o acesso e ascensão das classes consideradas inferiores. A única forma de um negro modificar a sua tez era através do sonho e mesmo esse com as devidas reticências, como acontece na farsa “Frágua de Amor”.
Em Portugal renascentista, o negro forro caia inevitavelmente na marginalidade, e quando não era escravo desempenhava funções profissionais consideradas inferiores pela sociedade portuguesa de então. Quando não eram carretores de imundíces, eram vendedoras de marisco de concha e legumes cozidos, ganhavam a sua vida lavando os serviços das casas mais abastadas, como prova o “Livro das Grandeza de Lisboa” do Frei Nicolau de Oliveira.
Será que esta situação ainda se mantêm, volvidos cinco séculos????????
22 julho, 2005
A Misericórdia de Nagasaqui e o Aborto
Valignano organiza a Companhia de Jesus no Japão no sentido da união e coesão entre todos os missionários, para que o projecto evangelizador não se perdesse em contradições e cisões internas.[1] É na sequência desta visão que são transmitidas instruções[2] expressas para a:
1. A aprendizagem da língua japonesa;[3]
2. A tradução dos textos religiosos japoneses mais importantes, o seu estudo e refutação;[4]
3. A tradução dos textos religiosos e de grandes pensadores europeus;[5]
4. Conhecimentos profundos dos costumes e mentalidade dos japoneses[6].
Pela primeira vez, de forma sistematizada, é efectuado um esforço concertado por parte dos missionários, tendo como objectivo principal a adaptação à hierarquia religiosa japonesa, utilizando estratificações sociais conhecidas[7], de forma a poderem com maior facilidade converter os gentios japoneses à fé cristã[8].
Estas novas directrizes incluem também a manipulação de determinados costumes das populações japonesas com o objectivo de colmatar e reforçar as hostes deficitárias de padres. Um exemplo flagrante do que fica dito encontra-se no costume do aborto e do infanticídio, o qual é estrategicamente aproveitado pelos eclesiásticos europeus:
Em Europa, posto que o haja, não é frequente o aborcio das crianças; em Japão é tão comum, que há mulher que aborta vinte vezes.[9]
Esta prática recorrente na sociedade japonesa quinhentista e seiscentista seria utilizada por Valignano da seguinte forma:
Cuanto a lo tercero de recibir los niños que suelen matar las madres, parece que seria cosa muy buena, porque allende de salvar muchas almas y evitar muchos pecados tendría con el tiempo la Iglesia mucha gente de servicio, porque habría de ser en esta obligación: que alo menos hasta los treinta años quedarían obligados a servir a la Iglesia[10]
Esta ideia materializa-se na Historia de Japam de Luís Fróis, onde o autor refere a utilização de crianças que, abandonadas à sua sorte, são recolhidas pelos membros da Companhia, as quais serão instruídas na pregação evangélica, transformando-se em instrumentos fundamentais de propagação da fé em território japonês[11].
É nesta estrutura que se insere a Misericórdia de Nagasáqui, como um organismo que se empenha em atenuar as fricções sociais do Japão de então, e acentuar através de um profundo conhecimento da mentalidade nipónica, o movimento de conversão.
1. A aprendizagem da língua japonesa;[3]
2. A tradução dos textos religiosos japoneses mais importantes, o seu estudo e refutação;[4]
3. A tradução dos textos religiosos e de grandes pensadores europeus;[5]
4. Conhecimentos profundos dos costumes e mentalidade dos japoneses[6].
Pela primeira vez, de forma sistematizada, é efectuado um esforço concertado por parte dos missionários, tendo como objectivo principal a adaptação à hierarquia religiosa japonesa, utilizando estratificações sociais conhecidas[7], de forma a poderem com maior facilidade converter os gentios japoneses à fé cristã[8].
Estas novas directrizes incluem também a manipulação de determinados costumes das populações japonesas com o objectivo de colmatar e reforçar as hostes deficitárias de padres. Um exemplo flagrante do que fica dito encontra-se no costume do aborto e do infanticídio, o qual é estrategicamente aproveitado pelos eclesiásticos europeus:
Em Europa, posto que o haja, não é frequente o aborcio das crianças; em Japão é tão comum, que há mulher que aborta vinte vezes.[9]
Esta prática recorrente na sociedade japonesa quinhentista e seiscentista seria utilizada por Valignano da seguinte forma:
Cuanto a lo tercero de recibir los niños que suelen matar las madres, parece que seria cosa muy buena, porque allende de salvar muchas almas y evitar muchos pecados tendría con el tiempo la Iglesia mucha gente de servicio, porque habría de ser en esta obligación: que alo menos hasta los treinta años quedarían obligados a servir a la Iglesia[10]
Esta ideia materializa-se na Historia de Japam de Luís Fróis, onde o autor refere a utilização de crianças que, abandonadas à sua sorte, são recolhidas pelos membros da Companhia, as quais serão instruídas na pregação evangélica, transformando-se em instrumentos fundamentais de propagação da fé em território japonês[11].
É nesta estrutura que se insere a Misericórdia de Nagasáqui, como um organismo que se empenha em atenuar as fricções sociais do Japão de então, e acentuar através de um profundo conhecimento da mentalidade nipónica, o movimento de conversão.
[1] Cf. L. Fróis, História do Japam., vol. III, 1982, ., p. 284:
Chegando o P.e Vizitador a Nangazachi chamou todos os Padres que estavão pelas rezidencias, tratando de novo as couzas que já tinha consultadas com os Padres de Bungo e do Miaco. E nesta derradeira consulta deo remate e poz termo ao que deixava ordenado em Japão, e se concluirão muitas couzas de grande serviço de Nosso Senhor. Também determinou alguns cazos que em Japão tinhão postos aos Padres, em grande perplexidade por serem difficultozos e novos e, conforme a rezolução que sobre elles deo (athé virem determinados e rezolutos de Roma por Sua Santidade), ordenou que corressemos todos para que não houvesse no governo desta christandade em couzas tão importantes diversidade nos pareceres.
[2] Ibid., pp. 177-178:
Deixou mais o P.e Vizitador ordenado o modo que havíamos de ter acerca dos costumes e cerimonias, e maneira de proceder da terra, couza muito dezejada dos mesmos japões, para se guardar em nossas cazas e nos podermos melhor conformar com elles; e que não hé de pouca importância para sermos bemquistos e tidos em boa opinião entre elles, porque, como os costumes e cerimonias desta terra são tão diferentes e contrários dos que se uzão em Europa, e athé agora não tínhamos huma certa ordem que houvéssemos de guardar acerca delles, alem de isto cauzar entre nós huma certa confuzão, não sabendo como nos havíamos de haver nos costumes e modo de tratar com elles, se seguião outros incovenientes mayores ficando muitas vezes os japões offendidos, e cauzando-se huma certa divizão de ânimos e perda de muito frutto pela contrariedade que havia dos nossos e dos seos costumes. Pelo qual se ordenou que em todo se procedesse em nossas cazas conforme ao modo próprio e acostumado de Japão, fazendo-se para este effeito huns avizos nos quaes podessem todos aprender os costumes e forma de proceder. E com isto e com os regimentos que deixou para se guardarem nas cazas e rezidencias para sermos todos uniformes, se entende que com a observação delles pode crescer muito entre os nossos a união dos ânimos e o frutto e reputação de nossa santa ley entre os jappoens.
[3] Ibid., p. 130:
[...] alem de se perfeiçoar a Arte que se tinha feita, se ordenou e se fez hum copiozo Vocabulario e alguns diálogos faciles e familiares na lingua de Japão com os quaes se forão os Irmãos grandemente ajudando [...]
[4] Ibid., p. 173:
Também fez o P.e Vizitador com alguns japões entendidos nas seitas hum diffuso cathecismo, bem ordenado, assim para por elle se poder pregar aos novos conversos, como para os Irmãos ficarem melhor instruídos e mais alumiados nas couzas de nossa fé quando cathequizassem os gentios.
Cf. P. Kornicki, The book in Japan, Netherlends, Koninklijke Brill NV, 1998, p.126: «These included part of the Heike monogatari in an adapted and romanized version.»
[5] Cf. P. Kornicki, op. cit., p. 126: «For the students, for example, there were texts in Latin, such as some of Cicero’s speeches and some Virgil as well as some devotional Works.»
[6] L. Fróis, op. cit., vol. III, 1982, pp. 324-325:
[...] o irmão Vicente japão, o mais insigne na língua e corrente nos costumes de Japão de todos os outros, para ensinar os mossos do seminário no modo de pregar, e lhes ensinar as falácias das seitas de Japão para com maior facilidade poderem nas pregações confutar seos erros, couza de que tinhão muita necessidade e que muito os ajudou e lhes deo grande lume e audácia para depois se hirem fazendo bons pregadores como sahirião.
[7] Takase Kôichirô, “Acerca da «Acomodação» na Missionação Cristã no Japão”, trad. Hiroshi Hino, Journal of the Faculty of Distribution and Logistics Systems, Universidade Ryûtsû Keizai, Ibaraki, vol. 34, n.º 1 (1999), pp. 114-115:
Falando da «aculturação» missionológica no Japão, lembramo-nos imediatamente da obra do padre Alessandro Valignano intitulada Advertimentos e Avisos acerca dos Costumes e Catangues de Jappão. O que é mais importante para Valignano nesta obra é a importância de os jesuítas manterem o prestígio secular e a autoridade religiosa. Isso não teria sido possível sem reconhecer a consciência hierárquica arraigada na sociedade japonesa de então. Parecia, por isso, conveniente ao padre Valignano “porem-se” vários graus sacerdotais, «na mesma altura em que os bomzos da seyta dos genxus [禅宗] que entre todas he tida em Japão por principal e que tem mais commonicação com toda a sorte de gemte de Japão». Assim, os jesuítas no Japão passaram a estar divididos em algumas hierarquias, a saber; o “Superior de Japão”, que «terá a altura do primcipal Não-jenjino ycho [南禅寺之院長]»; os “Superiores Universais”, que «terão a altura dos simco Choros de Gosan [五山之長老]», os “Padres todos [comuns?]”, que «estarão na altura que tem comummente os Choros [長老]»; os “Irmãos antiguos”, que «estarão na altura dos Xusas [首座], que são bomzos formados que esperão de ser Choros [長老]»; os “Irmãos novicios”, que «estão no amdar dos Zosus [蔵主], que são os que esperão de ser bomzos formados»; e finalmente os “Dogicos [同宿]”, assistentes catequistas não pertencentes à Companhia de Jesus, que «terão o luguar que tem nas ditas varelas os Jixas [侍者]».
[8] L. Fróis, op. cit., vol. II, 1981, p.366. Pode verificar-se no seguinte trecho essa contaminação conceptual:
O P.e Gaspar Coelho, por sua prudencia e virtude, foi logo encarregado pelo P.e Francisco Cabral a ser superior das partes de Ximo, e depois foi em ordem o 3º superior universal de Japão e primeiro vice-provincial que houve nestas partes.
[9] Cf. L. Fróis, Europa, Japão, um diálogo civilizacional no séc. XVI. Tratado em que se contêm muito sucinta e abreviadamente algumas diferenças de costumes entre a gente de Europa e esta província de Japão, apresentação de j. m. garcia, fixação de texto e notas por r. d’intino, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (col. “Oceanos”), 1993, p. 73.
[10] Cf. A. Valignano, Sumario de las cosas de Japon, cap. XXX, p. 343 (apud Irmã Ignatia (Rumiko Kataoka), “Fundação e Organização da Confraria da Misericórdia de Nagasáqui”, Oceanos, “Misericórdias – Cinco Séculos”, n.º 35 (1998), p. 114.
[11] L. Fróis, Historia de Japam, vol. IV, 1983, p. 6:
E porque em Nangazaqui são todos christãos, os filhos se vão multiplicando com estranha differença dos outros lugares dos gentios, porque os não matão; e muitos destes vem a ser dogicos dos Padres que andão na conversão, outros entrão nos seminários e os que Deus N. Senhor tem recolhidos são depoes admitidos na Companhia. E como são criados fora da disciplina venenoza dos bonzos, pela boa dispozição que tem e partes naturaes, se vão fazendo aptos instrumentos para ajudarem aos padres nos ministérios da pregação evangelica.
19 julho, 2005
PORTUGAL
Um texto singelo que nos faça reflectir um pouco, nesta altura de férias, foi o que decidi escrever:
Que belo país é o meu. Mudou tanto nos últimos anos Portugal. E que boas são as suas estradas e que limpas são as suas ruas. E a violência, apesar de tudo, não é um problema que não nos deixe dormir. Posso, em Lisboa, dormir com a pressiana entreaberta. A minha mãe pode deixar a sua casa de campo de fim de semana descansada, lá no norte. O risco de assalto existe, mas é tão pequeno que ela não pensa ainda montar um alarme nela.
Façam um esforço de memória e lembrem-se do nosso país há 20 anos. Agora comparem. O resultado é surpreendente, para quem, como eu, andou durante anos de terra em terra, acompanhando uma mãe professora que, ano após ano, era colocada cada vez mais próxima do Porto, o seu objectivo final. Assim, tive oportunidade de conhecer o país mais rural, o das vilas e cidades pequenas. Mais recentemente as cidades grandes.
O país já foi, sem dúvida, um terceiro mundista, pelo menos na Europa. Agora, digam o que disserem, não o é. Não estou a dizer que não há problemas estruturais em Portugal, longe de mim. Não estou a afirmar que tudo é belo e limpo e que não há gente em dificuldade, mas apenas que há melhorias que nos fazem sonhar com um Portugal ainda melhor, onde impere o civismo, uma palavra desconhecida em muitos países, e que começa a ter grande sentido entre nós. E onde, sobretudo, todos tenham as mesmas oportunidades.
Portugal tem passado e tem futuro.
06 julho, 2005
RECORDANDO O POETA VEIGA LEITÃO
Os anos vinte e trinta do século XX europeu foram marcados pelos regimes fascistas: o italiano, com Mussolini, desde 1923; o português, anunciado com a ditadura militar instaurada em 1926; o alemão que foi sem dúvida o que maiores marcas deixou; finalmente, depois da Guerra Civil de Espanha, o de Franco. Ora se aceitarmos a tese de que as vivências humanas e a forma do Homem ver o Mundo informam inevitavelmente as formas de representação e produção artística, compreende-se facilmente que aquele contexto político, sem dúvida adverso, ao qual poderiam ainda acrescentar-se os efeitos da crise económica de 1929, tenha influenciado a produção literária.
Fiquemos pelo Portugal da terceira década. Com a Constituição de 1933 e toda a legislação superveniente são proibidos os partidos políticos; os sindicatos ou qualquer forma de associação batiam no escolho da organização corporativa, ela própria, em nome do centralismo estatal, cerceada até ao final da década de cinquenta. Mas nem a censura , a polícia política , as prisões e o degredo abafaram uma parte da classe intelectual que, associando-se às classes mais desfavorecidas, sobretudo às rurais, teceu, de uma ou outra forma, sérias críticas aos poderosos círculos do capital bancário, agrícola, industrial e colonial. Na literatura, o autor - sem dúvida marcado por referências ideológicas mais ou menos próximas do marxismo e do materialismo histórico - sintonizado com os problemas e realidades económicas, sociais e políticas do seu tempo, ultrapassa o plano da criação estética e procura denunciar o desfavorecimento de uma classe social face à decadência e corrupção dos estratos dominantes. Ilustrativo desta ideia é a afirmação de Alves Redol em Gaibéus: «Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documento humano fixado no Ribatejo. Depois disso será o que os outros entenderem.»
A literatura é assim preenchida por um envolvimento histórico e social, inserido numa cultura de oposição que, no início da década de quarenta, vem a público com o aparecimento de duas colecções de livros: o Novo Cancioneiro, orientado para a poesia, a os Novos Prosadores, dedicado à ficção. Surge desta forma a chamada corrente neo-realista.
Mas novo em relação a quê? Novo em relação às correntes anteriores, sobretudo o Realismo do século XIX. Novo também porque é a transposição para a arte de uma nova forma de conhecer e se posicionar perante o Mundo. No entanto, a utilização do prefixo “neo” não significa que tenha havido um corte tão radical quanto poderia parecer à primeira vista; relativamente à Geração de 70, a novidade diz essencialmente respeito à postura ideológica. Com efeito, nem o neo-realismo convoca qualquer aproximação ao socialismo utópico, nem as vítimas aparecem envoltas numa auréola de glória. Agora, o Homem, autor ou personagem, assume um papel determinante e uma capacidade de intervir numa sociedade que se considera decadente, ou seja, o conhecimento do mundo exterior faz-se acompanhar de uma compreensão transformadora. Note-se que a Geração de 70, não encontrando soluções adoptou uma atitude de resignação.
Nos dois realismos existe a intenção de representação do real; o que muda é o alicerce ideológico, aspecto que, inevitavelmente, como qualquer obra literária comprometida ideologicamente e, por isso, interventora, informa as opções temáticas de um e de outro. Assim, se no realismo encontramos temas como o adultério, a ambição, a crítica de tipos sociais burgueses, etc., no neo-realismo as preocupações estão mais ligadas ao proletariado e à sua condição económica, à consciência de classe, à opressão económica ou política, etc.
A literatura, mesmo como fenómeno de criação estética, pode ser categorizada como forma de conhecimento, ainda que os seus processos de designar ou apreender o real sejam diferentes dos da ciência; mais, pode mesmo afirmar-se que, recorrendo a formas de expressão simbólicas correspondentes também a uma posição de conhecimento, procura ou tem por objecto uma realidade que a ciência não toca ou, pelo menos, não esgota.
É esta realidade que encontramos nos textos de meados do século do poeta Luís Veiga Leitão, notoriamente influenciados pelo neo-realismo de intervenção política.
Pseudónimo de Luís Maria Leitão, Veiga Leitão nasceu em Moimenta da Beira em 1915. Concluído o curso dos liceus, dedicou-se, depois de ter sido demitido de escriturário da Federação dos Vinicultores da Região do Douro, por ser contra o regime, à actividade comercial no ramo dos produtos farmacêuticos. Dois anos depois de publicar o seu primeiro livro de poesia (1950), Latitude, é preso por motivos políticos em Caxias onde escreve os textos aqui antologiados que viriam a ser publicados em 1955 sob o título Noite de Pedra. Em 1967, para como muitos outros evitar nova prisão, exila-se no Brasil de onde regressará, para viver no Porto, em 1976.
Nos textos que frequentam Noite de Pedra podemos encontrar elementos descritivos de uma situação vivida pelo poeta numa situação concreta: a prisão em Caxias. Mas de um universo fechado e hostil, inscrito em «Noite de Pedra», a escrita, no texto «A uma Bicicleta Desenhada na Cela», encaminha-se para outras realidades que, por afirmação de uma vida interior, convocam a liberdade.
NOITE DE PEDRA[1]
Noite de pedra
Cerração de muros
arames farpados
grades de ferro
cruzes de ferro
nas campas rasas
duma luz morta
E a lua os cornos da lua
uma baioneta calada
Noite de pedra noite forjada
- para que o silêncio esmague
o coração dos homens
A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA[2]
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
[1] Luís Veiga Leitão, Longo Caminho Breve. Poesias Escolhidas. 1943 – 1983, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, p. 47.
O título que aqui se insere destina-se apenas a individualizar o poema, uma vez que no texto original ele é identificado apenas pelo primeiro verso.
[2] Op. cit., p. 70
Fiquemos pelo Portugal da terceira década. Com a Constituição de 1933 e toda a legislação superveniente são proibidos os partidos políticos; os sindicatos ou qualquer forma de associação batiam no escolho da organização corporativa, ela própria, em nome do centralismo estatal, cerceada até ao final da década de cinquenta. Mas nem a censura , a polícia política , as prisões e o degredo abafaram uma parte da classe intelectual que, associando-se às classes mais desfavorecidas, sobretudo às rurais, teceu, de uma ou outra forma, sérias críticas aos poderosos círculos do capital bancário, agrícola, industrial e colonial. Na literatura, o autor - sem dúvida marcado por referências ideológicas mais ou menos próximas do marxismo e do materialismo histórico - sintonizado com os problemas e realidades económicas, sociais e políticas do seu tempo, ultrapassa o plano da criação estética e procura denunciar o desfavorecimento de uma classe social face à decadência e corrupção dos estratos dominantes. Ilustrativo desta ideia é a afirmação de Alves Redol em Gaibéus: «Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documento humano fixado no Ribatejo. Depois disso será o que os outros entenderem.»
A literatura é assim preenchida por um envolvimento histórico e social, inserido numa cultura de oposição que, no início da década de quarenta, vem a público com o aparecimento de duas colecções de livros: o Novo Cancioneiro, orientado para a poesia, a os Novos Prosadores, dedicado à ficção. Surge desta forma a chamada corrente neo-realista.
Mas novo em relação a quê? Novo em relação às correntes anteriores, sobretudo o Realismo do século XIX. Novo também porque é a transposição para a arte de uma nova forma de conhecer e se posicionar perante o Mundo. No entanto, a utilização do prefixo “neo” não significa que tenha havido um corte tão radical quanto poderia parecer à primeira vista; relativamente à Geração de 70, a novidade diz essencialmente respeito à postura ideológica. Com efeito, nem o neo-realismo convoca qualquer aproximação ao socialismo utópico, nem as vítimas aparecem envoltas numa auréola de glória. Agora, o Homem, autor ou personagem, assume um papel determinante e uma capacidade de intervir numa sociedade que se considera decadente, ou seja, o conhecimento do mundo exterior faz-se acompanhar de uma compreensão transformadora. Note-se que a Geração de 70, não encontrando soluções adoptou uma atitude de resignação.
Nos dois realismos existe a intenção de representação do real; o que muda é o alicerce ideológico, aspecto que, inevitavelmente, como qualquer obra literária comprometida ideologicamente e, por isso, interventora, informa as opções temáticas de um e de outro. Assim, se no realismo encontramos temas como o adultério, a ambição, a crítica de tipos sociais burgueses, etc., no neo-realismo as preocupações estão mais ligadas ao proletariado e à sua condição económica, à consciência de classe, à opressão económica ou política, etc.
A literatura, mesmo como fenómeno de criação estética, pode ser categorizada como forma de conhecimento, ainda que os seus processos de designar ou apreender o real sejam diferentes dos da ciência; mais, pode mesmo afirmar-se que, recorrendo a formas de expressão simbólicas correspondentes também a uma posição de conhecimento, procura ou tem por objecto uma realidade que a ciência não toca ou, pelo menos, não esgota.
É esta realidade que encontramos nos textos de meados do século do poeta Luís Veiga Leitão, notoriamente influenciados pelo neo-realismo de intervenção política.
Pseudónimo de Luís Maria Leitão, Veiga Leitão nasceu em Moimenta da Beira em 1915. Concluído o curso dos liceus, dedicou-se, depois de ter sido demitido de escriturário da Federação dos Vinicultores da Região do Douro, por ser contra o regime, à actividade comercial no ramo dos produtos farmacêuticos. Dois anos depois de publicar o seu primeiro livro de poesia (1950), Latitude, é preso por motivos políticos em Caxias onde escreve os textos aqui antologiados que viriam a ser publicados em 1955 sob o título Noite de Pedra. Em 1967, para como muitos outros evitar nova prisão, exila-se no Brasil de onde regressará, para viver no Porto, em 1976.
Nos textos que frequentam Noite de Pedra podemos encontrar elementos descritivos de uma situação vivida pelo poeta numa situação concreta: a prisão em Caxias. Mas de um universo fechado e hostil, inscrito em «Noite de Pedra», a escrita, no texto «A uma Bicicleta Desenhada na Cela», encaminha-se para outras realidades que, por afirmação de uma vida interior, convocam a liberdade.
NOITE DE PEDRA[1]
Noite de pedra
Cerração de muros
arames farpados
grades de ferro
cruzes de ferro
nas campas rasas
duma luz morta
E a lua os cornos da lua
uma baioneta calada
Noite de pedra noite forjada
- para que o silêncio esmague
o coração dos homens
A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA[2]
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
[1] Luís Veiga Leitão, Longo Caminho Breve. Poesias Escolhidas. 1943 – 1983, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, p. 47.
O título que aqui se insere destina-se apenas a individualizar o poema, uma vez que no texto original ele é identificado apenas pelo primeiro verso.
[2] Op. cit., p. 70
02 julho, 2005
Viagem no Tempo
Conhecer Pernambuco é viajar no tempo. Pena que para trás, por algumas e decisivas razões, pelas que falei na "Era do Branco" e por outras que se prendem, para começar, com as acentuadas diferenças entre homem e mulher. O homem é macho aqui em Pernabuco: mata ou esfola quando a mulher trai, não paga a pensão dos filhos quando abandona a mulher e tem amantes no casamento.
O Motel pernambucano tem uma função que ajuda a constatar a promiscuidade social, pelo menos naquele estado brasileiro, senão em muitos outros. A Garota de Programa entra também na lista verdadeiramente supreendente das mais recentes instituições pernambucanas.
No Motel, o deputado federal, o delegado de polícia, o político eminente, o cantor famoso, mas também o trabalhador mais modesto, encontra as sua amante, seja a Garota de Programa mais cara, a amante habitual ou a namorada de ocasião, conhecida naquela noite no show de "Brega" (música de qualidade duvidosa, onde homem e mulher se agarram e se movimentam com grande sensualidade, em ritmo calmo).
A Garota de Programa devia ter sindicato e outras regalias sociais, tal a quantidade existente. Talvez até devesse ter acesso ao poder político. As condições socio-económicas, o desemprego e a sociedade machista deixa-lhes poucas alternativas. Uma delas é a de venderem o corpo, o único "bem" que verdadeiramente é seu, nesta sociedade desiquilibrada.
Neste mundo de homens-machos que é Pernambuco existem crianças de 4 e 5 anos a trabalhar o dia todo, a descascar castanha de cajú e outras de 10 anos a praticar sexo oral por 10 centavos de real (3 cêntimos de euro) aos automobilistas-machos que viajam pelo interior do estado.
Quando cheguei não queria acreditar que o Estado de Pernambuco fosse o menos desenvolvido do Brasil, como então lia nos jornais. A "pátria" de Maurício de Nassau?! O Pernambuco das revoltas e revoluções?! Aquela capitania bem sucedida do séc. XVI?! Esta Recife tão aparentemente sã, com o moderno bairro de Boa Viagem, o turístico Porto de Galinhas, a histórica Olinda será asim tão mau?
A resposta é esta: é bem pior...
Quase tudo falhou em Pernambuco e a "culpa" já não pode ser atribuída aos portugueses, ainda hoje referidos nos manuais escolares como "os que levaram o nosso ouro". Portugal, com aproximadamente a mesma área e população do Estado de Pernambuco, é-lhe infinitamente superior em segurança, qualidade de vida e igualdade social, pelo menos.
O alcool, a cola (a droga dos miúdos pobres, que cheiram em público, enquanto pedem esmola), a maconha são consumidos em grandes quantidades. Os assassinatos, os roubos sucedem-se a um ritmo inaceitável. A degradação atinge aqui o seu ponto alto.
Deus não é pernambucano, nem quando o Brasil é campeão do mundo de futebol nem quando as suas deslumbrantes mulheres se passeiam no Shopping Recife ou no calçadão de Boa Viagem, gingando graciosamente, com belos pares de pernas e proeminetes glúteos, em momentos de magia, que por alguns instantes conseguem fazer esquecer a realidade.
19 junho, 2005
A Era do Branco...
Viajar, conhecer (não visitar apenas, que isso é pouco mais que quase nada), mas conhecer no seu íntimo as realidades dos povos e das pessoas é enriquecedor, e julgo que essencial, na formação de um historiador. O "vi claramente visto" de Camões faz mais sentido nesta cabeça agora menos oca. O Brasil, país onde me encontro, deu-me a ver claramente o que ninguém pode ver pelos jornais e televisões, do outro lado do oceano. Visitar o Brasil durante uma semana, dividida entre as praias de Porto de Galinhas e umas quantas igrejas e museus de Olinda enriquecem um pouco a pessoa, mas conhecer verdadeiramente um país, ou uma parte de um país, convivendo diariamente com os nativos, ouvindo o que dizem, vendo como comem e onde comem, observando os seus modos no trânsito, o seu comportamento em diversas situações é uma experiência que vale mais do que uns anos de universidade, embora, refira-se, esta aguça-nos o instinto e dá-nos algumas armas para essa observação. Tem sido uma tarefa antropo-sociológica intensa. Quase há um ano aqui, poderei então contar o que claramente tenho visto em Pernambuco em particular e no Brasil em geral.
No Brasil quem manda são os brancos. O dinheiro está nas mãos dos brancos, os cargos políticos estão na mão dos brancos, os melhores empregos estão nas mãos dos brancos. Quem frequenta os bons restaurantes são os brancos que têm dinheiro (sim, porque existem alguns brancos que não têm dinheiro).
Cabelo "ruim", aqui em Pernambuco, significa cabelo encaracolado ou encarapinhado. Cabelo "bom" é cabelo liso. Mulheres e homens brancos são sexualmente muito mais objecto de desejo do que os morenos e os pretos, até por estes últimos. Ter cor branca não é tudo, mas que dá uma grande ajuda dá. Nos bancos, emprego apetecido, a quase totalidade dos funcionários é branca. Já na Detran, uma empresa estatal que se ocupa do trânsito, onde o salário não será muito bom, a maioria dos seus funcionários é morena.
Não vejo contudo quase ninguém a manifestar-se sobre esta preocupante questão. Os rappers "Racionais", com um imenso currículo e prémios, abordam o problema social, mas nunca racial, de forma politicamente correcta, denunciando as injustiças, mas, no fundo, justificando-as, pela miséria e pela culpa do político (branco).
Quanto cinismo! Grafitte, jogador negro do São Paulo e da selecção brasileira, foi insultado por um jogador argentino. Escândalo nacional, com ecos internacionais. Que exemplo está o Brasil a dar ao mundo, dizia a imprensa em uníssono. Brincadeira, digo eu! Os repórteres e jornalistas da Globo, SBT, Record, Rede TV são quase todos brancos. Os actores e actrizes de novela, que os morenos e pretos se habituaram a admirar, são brancos. O "modelo" a seguir é o modelo branco, pois claro.
A verdade, digo eu, é que o Brasil vive num espécie de regime de apartheid, com trejeitos monárquicos, ainda por cima. O mais extraordinário é que isto nem é problema! A maioria "escura" luta no dia a dia. Não tem tempo para reflectir, não tem tempo para discutir. No Domingo, um dia mais descontraído, ele quer é beber uma, dançar um pagode ou um forró, tem lá tempo para política! Nem à escola foi, parte dela. O dominador branco chegou ao Brasil, impôs a sua força, a sua língua e a sua cultura, e, melhor ainda, feito extraordinário, depois de mais de 500 anos continua a fazê-lo, através dos seus descendentes. Pela via da sucessão, o branco continua a dar cartas por aqui. O índio, o moreno, o preto, permanecem num degrau bem inferior na obsoleta pirâmide social, em relação ao branco, bem no vértice.
O que eu vi claramente visto, desta feita com o auxílio da história, é que a escravatura cavou um fosso tão grande entre os cristãos brancos e os cristãos mais escuros que não sei se bastarão uns curtos séculos para sanar o problema.
O pobre do Lula, que até é moreno, mas que parece branco, está longe de resolver as questões sociais, até porque os seus ministros e deputados do PT lhe arranjam muito que fazer, porque a cada passo se descobre que um deles meteu a mão onde não devia. O Gilberto Gil é a velha excepção, e mesmo assim, um caso especial, como foi o do Pélé, quando foi "Ministro dos Esportes", ou coisa que o valha.
Isto foi o que eu vi, claramente visto. Depois da era do índio (20 000/9 000 a.c - 1500) chegou a era do branco (1500-???). A diferença é que na era do índio só existiam índios...
20 maio, 2005
FALAR BRASILEIRO
Estou irritado.
Não sou uma sumidade, nem pra lá caminho, no campo linguístico. Confesso-me um ignorante em todas as matérias que compõem o mundo científico. Até na História, que melhor conheço, estou a milhas de atingir um nível apreciável.
Vamos então saber o que me irrita. Estou há uns bons meses no Brasil. Para falar verdade está perto de fazer um ano. A língua portuguesa do Brasil tem um tom muito agradável, mas a mim, um falante do português de Portugal, até se me eriçam os pêlos do braço, até se me enrola qualquer coisa cá dentro e sinto que estou prestes a estourar, quando ouço e vejo como tratam a língua portuguesa por aqui.
Se por um lado a língua é uma arma económica e política a não desprezar, no âmbito da globalização e de toda uma estratégia que se pretende de "vistas largas", por outro tenho vontade de mandar à fava os PALOP, não por motivos raciais nem geográficos, mas pelos que já referi, os linguísticos.
Estou num grande impasse. Ao orgulho que ocasionalmente sinto por motivos vários contrapõe-se uma Real, sim, com "r" grande, vontade em prescindir dos 180 milhões de palradores que habitam este país do mapa dos que falam a língua portuguesa. E eles por certo achariam bem. Iriam ficar contentes por dar mais uma facada no pai (esta não é minha), ao terem uma língua deles, ao falarem "brasileiro".
Estaria eu a renegar uma história comum? Muito provavelmente uma parte dela. Mas quem conhece a História sabe bem que não é inédito.
Esta irritação há-de passar, muito provavelmente quando me for daqui.
17 maio, 2005
História e Religião
Nos últimos meses, surgiram-me várias questões na cabeça, pelo que começarei a minha primeira intervenção neste espaço com aquela que mais polémica tem levantado, um pouco por todo o mundo, nomeadamente desde o lançamento do romance de Dan Brown, “O Código Da Vinci”.
Partirei do principio que estamos todos, mais ou menos, inteirados do assunto que o mesmo trata e, como tal, do que originou, tanto na comunidade cientifica como na comunidade religiosa. Assim sendo, também terá reflexos na comunidade a que nós, formados em História, pertencemos!
Excusando-me a fazer um resumo ou mesmo uma critica ao romance que, aliás, li com algum interesse, as questões que ali se tratam parecem ter afectado muita gente, pessoas talvez mais importantes do que possamos ter ideia. O seu autor, diz-se, teve acesso, durante anos, aos arquivos ditos secretos do Vaticano, o que terá deixado a sensação de que sabia do que falava quando escrevia acerca do Santo Graal, de Jesus Cristo e de Madalena. Longe de se saber a veracidade de tal facto, o certo é que passou a ideia de que o que originou( desde guias especializados em desmentir o autor, a outros romances que confirmam muitas das suas ideias ), é o resultado de algo maior do que apenas contestação ou aceitação.
Dan Brown, no fundo, parece estar a mexer com dois mil anos de História, Fé e Crença, o que mexe também com os sentimentos e as certezas de uma civilização que, como os meus avós e pais, cresceu com a presença de Deus, Jesus, a Crucificação, a Última Ceia, a Ressurreição.
Como explicar a esta civilização que, como afirma o autor, Madalena foi esposa de Jesus, fazendo dele um homem comum? Uma só questão que, para quem leu o romance e está a par das discussões posteriores, tendem a levantar muitas mais.
No entanto, não é para falar de “O Código Da Vinci” que escrevo. As questões que ali se levantam e que na minha cabeça originaram muitas mais, são, aqui, muito mais importantes. Aconteceu, por acaso, ter acesso a um texto de um autor de seu nome La Sagesse, que leva o assunto muito mais longe, causando-me uma grande estranheza ou mesmo uma grande estupefacção: segundo este autor, Jesus Cristo, a Religião Cristã, as crenças e tudo o que foi construído durante dois mil anos e tido como verdadeiro, não passou disso mesmo, uma construção! Se o romance já me havia deixado confuso, este texto que agora refiro deixou-me ainda mais! Questionar é uma coisa, afirmar é outra completamente diferente.
La Sagesse, entre outras coisas, afirma que Jesus não existiu, é uma espécie de mito, criado para o benefício de alguns. Que a Bíblia é uma compilação de coisas falsas, de estórias posteriores a Cristo e que foi adulterada ao longo de anos, com o único objectivo de fazer “calar” os escritos de contemporâneos de Jesus Cristo que, aliás, nem sequer mencionam o seu nome nem nenhum dos seus actos.
Levantam-se assim outras questões que nos deixam a pensar. La Sagesse questiona a figura de Deus como sendo o Criador, ser omnipresente e omnisciente, quando a ciência nos deu provas que o nosso planeta é uma infima particula de um extenso universo. Há ainda quem faça a pergunta: que legitimidade terá um Deus único, omnipresente e Criador perante a enorme quantidade de deuses egipcios, gregos e romanos?
Não querendo, de todo, lançar qualquer tipo de polémica, a intenção aqui é procurar, com o debate, esclarecer mais do que as minhas dúvidas, as dúvidas de alguns colegas, porque as deve haver.
Partirei do principio que estamos todos, mais ou menos, inteirados do assunto que o mesmo trata e, como tal, do que originou, tanto na comunidade cientifica como na comunidade religiosa. Assim sendo, também terá reflexos na comunidade a que nós, formados em História, pertencemos!
Excusando-me a fazer um resumo ou mesmo uma critica ao romance que, aliás, li com algum interesse, as questões que ali se tratam parecem ter afectado muita gente, pessoas talvez mais importantes do que possamos ter ideia. O seu autor, diz-se, teve acesso, durante anos, aos arquivos ditos secretos do Vaticano, o que terá deixado a sensação de que sabia do que falava quando escrevia acerca do Santo Graal, de Jesus Cristo e de Madalena. Longe de se saber a veracidade de tal facto, o certo é que passou a ideia de que o que originou( desde guias especializados em desmentir o autor, a outros romances que confirmam muitas das suas ideias ), é o resultado de algo maior do que apenas contestação ou aceitação.
Dan Brown, no fundo, parece estar a mexer com dois mil anos de História, Fé e Crença, o que mexe também com os sentimentos e as certezas de uma civilização que, como os meus avós e pais, cresceu com a presença de Deus, Jesus, a Crucificação, a Última Ceia, a Ressurreição.
Como explicar a esta civilização que, como afirma o autor, Madalena foi esposa de Jesus, fazendo dele um homem comum? Uma só questão que, para quem leu o romance e está a par das discussões posteriores, tendem a levantar muitas mais.
No entanto, não é para falar de “O Código Da Vinci” que escrevo. As questões que ali se levantam e que na minha cabeça originaram muitas mais, são, aqui, muito mais importantes. Aconteceu, por acaso, ter acesso a um texto de um autor de seu nome La Sagesse, que leva o assunto muito mais longe, causando-me uma grande estranheza ou mesmo uma grande estupefacção: segundo este autor, Jesus Cristo, a Religião Cristã, as crenças e tudo o que foi construído durante dois mil anos e tido como verdadeiro, não passou disso mesmo, uma construção! Se o romance já me havia deixado confuso, este texto que agora refiro deixou-me ainda mais! Questionar é uma coisa, afirmar é outra completamente diferente.
La Sagesse, entre outras coisas, afirma que Jesus não existiu, é uma espécie de mito, criado para o benefício de alguns. Que a Bíblia é uma compilação de coisas falsas, de estórias posteriores a Cristo e que foi adulterada ao longo de anos, com o único objectivo de fazer “calar” os escritos de contemporâneos de Jesus Cristo que, aliás, nem sequer mencionam o seu nome nem nenhum dos seus actos.
Levantam-se assim outras questões que nos deixam a pensar. La Sagesse questiona a figura de Deus como sendo o Criador, ser omnipresente e omnisciente, quando a ciência nos deu provas que o nosso planeta é uma infima particula de um extenso universo. Há ainda quem faça a pergunta: que legitimidade terá um Deus único, omnipresente e Criador perante a enorme quantidade de deuses egipcios, gregos e romanos?
Não querendo, de todo, lançar qualquer tipo de polémica, a intenção aqui é procurar, com o debate, esclarecer mais do que as minhas dúvidas, as dúvidas de alguns colegas, porque as deve haver.
16 maio, 2005
O PASTOR E O POLTRÃO
O Asterix existiu mesmo, mas nem era Gaulês nem se chamava Asterix. Segundo um autor brasileiro, o verdadeiro Asterix chamava-se Viriato e era Lusitano. Resistiu ao poderio romano durante aproximadamente 60 anos, até que Scipião, encarregado de tomar a região defendida pelo pastor-estratega, conseguiu corromper os emissários de Viriato, acabando por matá-lo. Isto passou-se no séc. II antes da nossa era.De modo completamente diferente outra figura da nossa História, D. João VI, terá derrotado outra grande potência - a França de Napoleão. Esta visão é defendida por um outro autor brasileiro, que "conheci" num manual brasileiro da 5ª série. Vale a pena a transcrição: "Manso e pacato, bonachão e simplório, foi a imagem que ficou. Poltrão mesmo, disseram muitos, em alusão gratuita à migração da família real, como se o minúsculo rei tivesse meios de resistir à máquina de guerra dos franceses (...) a partida de D. João foi efectivamente apressada, dando a impressão de fuga, de medo de Napoleão, quando em realidade o estava derrotando, vencendo-o espectacularmente (...) Poucos anos depois, em seu exílio em Santa Helena, Bonaparte redimiria o poltrão: "Foi o único que me enganou!", disse, rememorando a frustração de não ter podido aprisionar o monarca português, tal como fizera com Fernando VII de Espanha".Quem diria: um pastor e um poltrão a porem em sentido generais daquela estirpe!
(Tive de colocar este texto outra vez porque estava a ser bombardeado com comments de um ácaro qualquer, por isso apaguei o original. Quem quiser comentar novamente que o faça, por favor, pois os comments anteriores desapareceram.)
(Tive de colocar este texto outra vez porque estava a ser bombardeado com comments de um ácaro qualquer, por isso apaguei o original. Quem quiser comentar novamente que o faça, por favor, pois os comments anteriores desapareceram.)
13 maio, 2005
A HISTÓRIA É NOSSA!
Abram as garrafas de champagne, mas do francês, não queremos cá imitações! Como dizia o poeta, Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. E esta foi uma obra-relâmpago, nada como as que vemos por aí, tipo de Santa Engrácia. Além disso os custos foram mínimos.
Mais a sério agora. Este é um sítio onde vamos poder falar de História, entre amigos. Conhecemo-nos todos na Lusófona e não podemos ignorar o espaço em que nos conhecemos. Não estamos, contudo, fechados a um pequeno círculo. A História é de quem a faz e de quem a ama, por isso desejamos que todos participem e comentem o que aqui fazemos. O nosso lema é seriedade, informalidade e tolerância.
A História é nossa. Vamos apostar nela?
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